• Matéria: Português
  • Autor: jennifersousanascime
  • Perguntado 5 anos atrás

urgente !!!!!!!!!!!
Era um dentista respeitadíssimo. Com seus quarenta e poucos anos, uma filha quase na faculdade.

Um homem sério, sóbrio, sem opiniões surpreendentes, mas de uma sólida reputação como profissional

e cidadão. Um dia, apareceu em casa com um nariz postiço. Passado o susto, a mulher e a filha sorriram

com fingida tolerância. Era um daqueles narizes de borracha com óculos de aros pretos, sobrancelhas e

bigodes que fazem a pessoa ficar parecida com o Groucho Marx. Mas o nosso dentista não estava

imitando o Groucho Marx. Sentou-se à mesa de almoço – sempre almoçava em casa – com a retidão

costumeira, quieto e algo distraído. Mas com um nariz postiço.

– O que é isso? – perguntou a mulher depois da salada, sorrindo menos.

– Isto o quê?

– Esse nariz.

– Ah, vi numa vitrina, entrei e comprei.

– Logo você, papai…

Depois do almoço ele foi recostar-se no sofá da sala como fazia todos os dias. A mulher impacientou-

se.

– Tire esse negócio.

– Por quê?

– Brincadeira tem hora.

– Mas isto não é brincadeira.

Sesteou com o nariz de borracha para o alto. Depois de meia hora, levantou-se e dirigiu-se para a

porta. A mulher o interpelou:

– Aonde é que você vai?

– Como, aonde é que eu vou? Vou voltar para o consultório.

– Mas com esse nariz?

– Eu não compreendo você – disse ele, olhando-a com censura através dos aros sem lentes. – Se

fosse uma gravata nova, você não diria nada. Só porque é um nariz…

– Pense nos vizinhos. Pense nos clientes.

Os clientes, realmente, não compreenderam o nariz de borracha. Deram risadas (“Logo o senhor,

doutor…”), fizeram perguntas, mas terminaram a consulta intrigados e saíram do consultório com

dúvidas.

– Ele enlouqueceu?

– Não sei – respondia a recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos. – Nunca vi “ele” assim.

Naquela noite, ele tomou seu chuveiro, como fazia sempre antes de dormir. Depois, vestiu o pijama

e o nariz postiço e foi se deitar.

– Você vai usar esse nariz na cama? – perguntou a mulher.
Vou. Aliás, não vou mais tirar este nariz.
Mas, por quê?

– Porque não!

Dormiu logo. A mulher passou metade da noite olhando para o nariz de borracha. De madrugada

começou a chorar baixinho. Ele enlouquecera. Era isto. Tudo estava acabado. Uma carreira brilhante,

uma reputação, um nome, uma família perfeita, tudo trocado por um nariz postiço.

– Papai…

– Sim, minha filha.

– Podemos conversar?

– Claro que podemos.

– É sobre esse seu nariz…

– O meu nariz, outra vez? Mas vocês só pensam nisso?

– Papai, como é que nós não vamos pensar? De uma hora para outra, um homem como você resolve

andar de nariz postiço e não quer que ninguém note?

– O nariz é meu e vou continuar a usar.

– Mas por que, papai? Você não se dá conta de que se transformou no palhaço do prédio? Eu não

posso mais encarar os vizinhos, de vergonha. A mamãe não tem mais vida social.

– Não tem porque não quer…

– Como é que ela vai à rua com um homem de nariz postiço?

– Mas não sou “um homem”. Sou eu. O marido dela. O seu pai. Continuo o mesmo homem. Um nariz

de borracha não faz nenhuma diferença. Se não faz nenhuma diferença, por que não usar?

– Mas, mas…

– Minha filha.

– Chega! Não quero mais conversar. Você não é mais meu pai!

A mulher e a filha saíram de casa. Ele perdeu todos os clientes. A recepcionista, que trabalhava com

ele há 15 anos, pediu demissão. Não sabia o que esperar de um homem que usava nariz postiço. Evitava

aproximar-se dele. Mandou o pedido de demissão pelo correio. Os amigos mais chegados, numa última

tentativa de salvar sua reputação, o convenceram a consultar um psiquiatra.

– Você vai concordar – disse o psiquiatra depois de concluir que não havia nada de errado com ele –

que seu comportamento é um pouco estranho…

– Estranho é o comportamento dos outros! – disse ele. – Eu continuo o mesmo. Noventa e dois por

cento do meu corpo continua o que era antes. Não mudei a maneira de vestir, nem de pensar, nem de

me comportar. Continuo sendo um ótimo dentista, um bom marido, bom pai, contribuinte, sócio do

fluminense, tudo como antes. Mas as pessoas repudiam todo o resto por causa deste nariz. Um simples

nariz de borracha. Quer dizer que eu não sou eu, eu sou o meu nariz?

– É… – disse o psiquiatra. – Talvez você tenha razão…

O que é que você acha, leitor? Ele tem razão? Seja como for, não se entregou. Continua a usar o

nariz postiço. Porque agora não é mais uma questão de nariz. Agora é uma questão de princípios.

Veríssimo, Luís Fernando. O nariz e outras crônicas. São Paulo:

Ática, 1994.p.73-74. Coleção para gostar de ler.

Atividades:

1. Qual o assunto da crônica?

2. Como a mulher e a filha reagiram?

3. Tomando por base o dentista é possível afirmar que a sociedade discrimina quem é diferente?
4. Qual sua opinião: Somos o que somos. ​

Respostas

respondido por: 0kawanslv
5

3. Tomando por base o dentista é possível afirmar que a sociedade discrimina quem é diferente é resposta

Explicação:

Espero que ter ajudou

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