AS QUILHAS (*)
O explorador norueguês Thor Heyerdahl provou, com a sua viagem de 1947 na balsa “Kon-Tiki”, que índios peruanos poderiam ter chegado às ilhas dos Mares do Sul numa embarcação rudimentar, sem qualquer instrumento ou conhecimento mais sofisticado de navegação, apenas se deixando levar pela correnteza. O “Kon-Tiki” era uma réplica perfeita dos barcos usados pelos peruanos, menos num detalhe, que Heyerdahl só descobriu depois de ter feito a histórica viagem da costa do Peru ao arquipélago Tuamotu. Durante muito tempo Heyerdahl admirou a coragem dos índios e se perguntou que motivos, que demônios, os teriam levado a enfrentar o mar e o desconhecido, sabendo que não poderiam voltar, que suas vidas estavam entregues à corrente.
Não se sabe se a admiração de Heyerdahl aumentou ou diminuiu quando ele descobriu o detalhe que lhe escapara na reprodução das balsas, um jogo de quilhas que permitia aos índios navegar contra a correnteza e, portanto, voltar. A compulsão da aventura e a vertigem da descoberta que impeliam o homem primitivo eram precedidas de uma necessidade mais forte, a do retorno, a da segurança de um caminho para casa. As quilhas talvez tenham tornado os índios ainda mais incompreensíveis para o norueguês, e a admiração pelo seu engenho talvez roubasse um pouco da admiração pela sua aventura. Pois mais remoto para o espírito moderno do que a coragem crua do empreendimento, mesmo suicida, é essa outra compulsão primitiva e quase animal do retorno. Heyerdahl pode ter se sentido traído.
Ao mesmo tempo que eram mais sofisticados, os índios eram menos modernos do que ele supunha. Não tinham rompido com tudo e se entregado à corrente, não tinham abandonado o apego animal ao centro das suas vidas, o mesmo instinto que faz o peixe subir cascatas para desovar no lugar em que nasceu. O homem moderno é o que esqueceu o que no bicho é um instinto, o caminho de casa. (...) Quanto mais se afasta do bicho mais o homem se desorienta no mundo. Mas é só voltando que ele pode contar o que viu e fez, e torná-lo coerente e real com o seu relato. (...) As quilhas eram a segurança de que sua aventura seria relatada e teria um sentido, para os índios peruanos. A aventura humana não é a realidade, é só a sua matéria-prima. Existir é colher subsídios para a história que vai se contar em casa e, contando-a, integrar na experiência comum da espécie. Perto do fogo, com as crianças em volta e os cachorros em paz .
*quilhas: peça da estrutura da embarcação, dispostas longitudinalmente na parte mais inferior e à qual se prendem todas as grandes peças que estruturam o casco
*As quilhas, no texto de Veríssimo, assumem um valor metafórico nas viagens empreendidas pelos índios peruanos porque representam*
A) o desejo de aventurar-se diante do desconhecido, sem preocupações quanto a eventuais consequências da aventura
B) uma coragem que beira as raias do suicídio, uma vez que desconsidera aspectos voltados para a sobrevivência
C) a segurança da volta, com a consequente incorporação cultural e socialização da experiência vivida
D) a busca do surpreendente, do inusitado, com as incertezas de um retorno pouco provável
E) uma ruptura absoluta com o presente , pela perspectiva do enfrentamento com um mundo seguramente hostil
Respostas
respondido por:
1
Resposta:
Resposta correta E
confia
respondido por:
3
Alternativa correta: C) a segurança da volta, com a consequente incorporação cultural e socialização da experiência vivida.
A resposta se justifica, entre outras passagens, pelos trechos :”A compulsão da aventura e a vertigem da descoberta que impeliam o homem primitivo eram precedidas de uma necessidade mais forte, a do retorno, a da segurança de um caminho para casa” ou “As quilhas eram a segurança de que sua aventura seria relatada e teria um sentido, para os índios peruanos”.
As demais opções contrariam o sentido geral do texto.
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