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Black certamente não é o filme do cinema indiano que o público comum espera assistir. Bem distante das produções bollywoodianas recheadas de efeitos especiais, romances e aventuras grandiosas e cenas que desafiam a lógica e a física, esta obra do diretor Sanjay Leela Bhansali até traz parte da abordagem hiperbólica clássica de seu país em algumas escolhas estéticas e atuações, mas se sobressai mesmo por pequenas sutilezas da fotografia e da direção. A trama acompanha Michelle McNally, uma menina surda e muda, que por sua condição tem enorme dificuldade de se relacionar com o mundo. Não conseguindo dominar plenamente suas funções motoras, até uma simples refeição se torna um grande empecilho em sua rotina. Entra em cena Debraj Sahai (Amitabh Bachchan), professor que se compromete a tentar ajudar Michelle a se preparar para uma vida mais independente.
Em certos aspectos, a construção do personagem do professor lembra até Leon de O Profissional, um sujeito “durão” que esconde grande sensibilidade. A identificação dele com Michelle é imediata, principalmente ao ver que a menina é tratada como um animal doméstico por seus pais, que chegam a prende-la a um sino para saberem onde ela está. Mas o grande destaque mesmo fica com a protagonista em sua adolescência, quando interpretada por Rani Mukerji. O esforço físico para dar vida à uma pessoa com tantas limitações físicas pode ser percebida desde o olhar torto às mãos trêmulas, que intensificam a sensação de insegurança que permeia a vida da menina.
A direção de Bhansali faz escolhas curiosas. A manutenção de uma lente grande angular, que imprime um efeito “fisheye” distorcendo os cantos, é precisa para retratar o ponto de vista de uma pessoa que tem enormes limitações físicas. Bhansali é feliz ao reduzir o uso de tal técnica conforme a personagem se vê mais confortável com o mundo, graças ao seu trabalho com o professor. Curiosamente, quando seu mestre surge com alzheimer, a distorção trazida pela grande angular volta a estar presente na narrativa. Tanto esta opção técnica quanto as atuações recheadas de candura do elenco protagonista criam um tom onírico e poético muito bem-vindo na obra.
Na fotografia o filme encontra o ponto forte de sua narrativa. O roteiro cria o fio condutor da história: a relação de preto e branco, luz e sombra. A sombra representa a ignorância e a luz o conhecimento, dualidade que existe desde a filosofia grega clássica, com o mito platônico da caverna. O professor deve tirar sua aluna da escuridão da ignorância e permiti-la conhecer o mundo e adquirir conhecimento. A fotografia, então, faz uma transição interessante. Os primeiros planos do filme são predominantemente escuros, com pouquíssima iluminação, algo que aos poucos é quebrado, até que na cena em que mestre e discípulo se encontram pela última vez,o fazem justamente em um cenário totalmente branco e muito iluminado, representando o fim do ciclo deles de busca por conhecimento.
Black tem como grande mérito a simplicidade de suas escolhas e a sinceridade e humanidade de seus personagens. A forma como é capaz de mostrar como o carinho de um professor é capaz de unir o arquétipo do mestre com uma figura paterna torna a relação entre Debraj e Michelle o ponto de equilíbrio da trama. Uma relação de cumplicidade e amizade que excede todas as limitações dos personagens e é fortalecida pelo amor e pela fome por conhecimento e sobrevivência deles. Uma aula de humanidade em forma de obra de arte. Coisas que só o cinema nos proporciona.
Explicação:infelismente ainda nao vi