5) TEXTO II
Leia o texto a seguir.
Macambœzio
Eu tinha seis anos e uma timidez paralisante. Morava no Tatuapé e era alfabetizado
na Penha, na zona leste de São Paulo. Ia e voltava num ônibus escolar, daqueles
que tinham uma porta só, na frente, ao lado do motor barulhento. Não os vejo mais
nas ruas. Foram fracionados em vans coreanas. Num trajeto de ida, eu já estava
num banco, quieto como uma ostra, quando entrou no ônibus um garoto branquinho
e sardento, do meu tamanho. Sentou-se ao meu lado e começou a tagarelar. Contou
uma piada e eu sorri. Contou outra, sorri de novo. Contou uma terceira piada que eu
nem ouvi, enquanto revirava a memória, à procura de algo engraçado para retribuir.
Ele terminou a terceira história e eu emendei, orgulhoso, o que me ocorreu de mais
hilariante. Tinha ouvido de minha irmã mais velha:— Meu amor, minha vida, minha
privada entupida! O garoto ergueu as sobrancelhas, arregalou os olhos e levou uma
das mãos à boca. Ele, escandalizado. Eu, petrificado. O ronco do ônibus,
amplificado, ensurdecedor.— Eu vou contar para a Diretora que você disse isso!
Entrei em pânico. Ele notou.— Se você não me der uma bala eu vou contar para a
Diretora! — ameaçou. A chantagem foi enfática e imediata. Eu não tinha a bala.
Nem o dinheiro. Prometi entregar o produto extorquido no dia seguinte. E cumpri. Fiz
isso mais vezes, nos dois ou três dias que vieram depois. Mas, em casa, à noite, aos
olhos de meu pai, minha introspecção tornou-se um mistério que nem a timidez
explicava. Eu não contei nada, constrangido com a barbaridade que tinha proferido a
um colega. E das consequências desastrosas que aquilo teria se chegasse aos
ouvidos da Diretora. Meu pai:— Cuco (é como me chama), você anda meio
macambúzio (é como se refere ao sentimento de tristeza). O que aconteceu? Por
vergonha, tentei disfarçar. Mas ele insistiu e eu contei. Foi a primeira vez na vida em
que experimentei a sensação física de “botar os demônios pra fora”. No dia seguinte,
quando o ônibus da escola se aproximou da casa do menino chantageador, não me
vieram a taquicardia, a angústia. Ao me estender a mão, em cobrança da bala
extorquida, ele ouviu meu primeiro discurso de improviso. Duas frases, apenas:—
Meu pai me disse que hoje não tem bala. E que eu e você vamos contar tudo isso
para a Diretora. A extorsão acabou. E começou um novo ciclo de minha infância.
Todos os que ouviram essa história, nos últimos 40 anos, dividem a perplexidade
entre minha ingenuidade e a precocidade do menino chantagista. Para mim, hoje,
pai de três crianças, o mais relevante ainda é o olhar de meu pai.
1. O texto lido é o relato de um episódio vivido pelo narrador.
a) Em que fase da vida do narrador o episódio ocorreu?
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Respostas
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2
Resposta:
na infancia
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