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O cancelamento virtual é um tipo de ataque surgido nas redes sociais e que ganhou força nos últimos anos. Esse tipo de “banimento” não é uma novidade, muitas pessoas e empresas já foram canceladas pelos internautas em decorrência de alguma atitude ou posicionamento que consideram errado.
Para começar a entender melhor sobre a cultura do cancelamento, convidamos o professor do curso de Direito do Uninovafapi, Marcelo Martins Eulálio, que é Mestre em Políticas Públicas.
O professor define a internet como um ambiente plural e democrático e a inclusão digital é a democratização do acesso às tecnologias da informação, visando a inclusão de todos na sociedade da informação. “Pessoas antes invisíveis tornaram-se visíveis. A internet tem permitido a todos expressarem suas ideias, suas manifestações políticas, enfim, tem possibilitado a todos a liberdade de expressão. Contudo, essa liberdade não é absoluta e vem acompanhada de responsabilidade”.
Marcelo apresenta o cancelamento como um “julgamento”, uma “sentença” proferida pelos usuários da internet. “Alguns entendem como ato justiceiro, com o objetivo de punir o ‘cancelado’ por este ter praticado um ato que não é tolerado no mundo de hoje, considerado grave, polêmico ou banal”, pontua.
Como muitas coisas na vida, a cultura do cancelamento tem pontos positivos e negativos. “Como ponto positivo, a cultura do cancelamento pode significar a reação e indignação das pessoas em relação à atos e fatos criminosos como racismo e outras formas de preconceitos, por exemplo, que antes passavam despercebidas. Como ponto negativo, partindo de mero conflito de opiniões e pensamentos, pode resultar em prejuízo moral e material para o ‘cancelado’, que nesse caso se torna uma vítima”, destaca.
Em qualquer caso, o cancelamento é um ataque à reputação da vítima e tem como “condenação moral”, sem direito a ampla defesa e contraditório. Por isso, é possível causar injustiças na luta por justiça social como explica Marcelo. “As redes sociais têm sido utilizadas para cobrar das autoridades judiciárias e das seguranças públicas medidas de combate a uma série de crimes e injustiças sociais. Por outro lado, testemunhamos nas redes sociais uma série de crimes virtuais, praticados por pessoas que pensam que a internet é um mundo sem lei, imaginam que não possam ser identificadas e responsabilizadas pelos crimes virtuais. Por meio de fake news a imagem e a dignidade de uma pessoa pode ser afetada. O ‘cancelamento’ de determinada pessoa pode ter início com uma fake news, que replicada milhares de vezes pode alcançar o fim desejado pela pessoa criminosa, que é a desmoralização pública da vítima. Um simples deslize ou erro, sem qualquer potencial ofensivo a terceiros, pode ser alvo de uma condenação pelas redes sociais”.
As consequências para quem sofrem os ataques podem ser o boicote aos produtos e serviços, nos casos de empresas, e prejuízos de ordem moral e material para pessoas físicas. No entanto, quem pratica o cancelamento também está sujeito a consequências. Os responsáveis pelo banimento podem responder criminalmente pela prática de racismo, injúria, difamação ou calúnia, por exemplo. “Em relação à responsabilidade civil e criminal, qualquer pessoa vítima de ‘cancelamento’, que se considerar injustiçada, pode pleitear indenização contra quem cometeu o ato ilícito, nos termos do artigo 186 do Código Civil: ‘aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito’”, afirma Marcelo.
O professor ressalta que todas as pessoas que usam redes sociais devem tomar cuidados ao promoverem cancelamentos, ainda que na busca por uma justiça social. “Geralmente, as pessoas acabam por ofender a honra e a imagem da pessoa ‘cancelada’. O mundo virtual não é um mundo sem lei. Ninguém está isento de responder por publicações ofensivas ou criminosas nas redes sociais. Ao tempo em que se avança nas tecnologias da informação, avançamos também nas técnicas de identificação dos usuários das redes sociais. Assim como no mundo real, no mundo das redes somos responsáveis pelo que publicamos. Não há liberdade sem responsabilidade. No Estado Democrático de Direito, o exercício de nossas liberdades somente é bem-vindo com responsabilidade", finaliza.