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A contradição ressalta ainda mais se a atenção se desloca para a questão, tão debatida hoje em dia, do unilateralismo versus multilateralismo. No momento em que o Executivo republicano manifesta aversão freqüente pela abordagem multilateral, esse mesmo governo continua a prestigiar as negociações e o sistema de solução de disputas da Organização Mundial do Comércio (OMC) no domínio comercial. Por um lado, os americanos denunciam tratados de desarmamento como o antibalístico, debilitam e obstruem o acordo contra as armas bacteriológicas, recusam as metas do Protocolo de Kyoto, rejeitam o tratado antiminas, retiram a assinatura do que estabelece o Tribunal Penal Internacional. Por outro, fazem prova de flexibilidade e determinação para lançar, em Doha, negociações comerciais abrangentes e ambiciosas e engajam-se seriamente nessas negociações, apresentando propostas e multiplicando iniciativas. Embora tenham perdido alguns julgamentos notáveis no sistema de solução de controvérsias da OMC, em um dos casos envolvendo até a nova rejeição de mudanças legislativas que o Congresso havia aprovado para tentar satisfazer sentença anterior, em outros exemplos, afetando as práticas antidumping, de enorme sensibilidade política, as autoridades e o público aceitaram, nesse particular, o que aparentemente não estão dispostos a tolerar em outros campos, isto é, o prevalecimento de decisões adversas de organismos internacionais sobre interesses soberanos norte-americanos.
A explicação mais evidente para essa exceção na tendência de perseguir os interesses nacionais por meios unilaterais de poder é que, no fundo, apesar de perderem uma parada aqui ou ali, esses interesses continuam a ser bem servidos por um sistema multilateral de comércio do qual a primeira potência econômica do mundo é a principal beneficiária. Além disso, os componentes mais dinâmicos dessa economia - tecnologia de ponta, biotecnologia, patenteamento genético, comércio eletrônico - são os grandes proponentes e eventuais ganhadores de negociações para a adoção de regras em temas ainda não tocados nos esforços passados de regulação. Também não se pode menosprezar a existência de um sistema relativamente eficaz de resolução de conflitos que, não obstante os eventuais percalços, atende muitas vezes aos objetivos das empresas norte-americanas. Pesa, finalmente, a personalidade de Robert Zoellick, o representante comercial dos Estados Unidos (USTR), negociador experimentado, pragmático, não afetado pela extremada ideologia de direita que predomina os assuntos estratégicos, de defesa e relações internacionais, convicto das vantagens que seu país pode extrair do enorme market power (poder de mercado) que possui. Não obstante todas essas razões, não deixa de ser até certo ponto paradoxal que um domínio da política externa habitualmente mais conflitivo que outros, como é o comércio, represente uma das exceções mais merecedoras de análise e destaque em panorama de maneira geral pouco propício aos métodos multilaterais.