Quem coleciona selos para o sobrinho; quem acorda de madrugada e estremece no desgosto de si mesmo ao lembrar que há muitos anos feriu a quem amava; quem chora no cinema ao ver o reencontro de pai e filho; quem segura sem temor uma lagartixa e lhe faz com os dedos uma carícia; quem se detém no caminho para contemplar a flor silvestre; quem se ri das próprias rugas ou de já não aguentar subir uma escada como antigamente; quem decide aplicar-se ao estudo de uma língua morta depois de um fracasso amoroso; quem procura numa cidade os traços da cidade que passou, quando o que é velho era frescor e novidade; quem se deixa tocar pelo símbolo da porta fechada; quem costura roupas para os lázaros; quem envia bonecas às filhas dos lázaros; quem diz a uma visita pouco familiar, já quebrando a cerimônia com um início de sentimento: "Meu pai só gostava de sentar-se nessa cadeira"; quem manda livros para os presidiários; quem ajuda a fundar um asilo de órfãos; quem se comove ao ver passar de cabeça branca aquele ou aquela, mestre ou mestra, que foi a fera do colégio; quem compra na venda verdura fresca para o canário; quem se lembra todos os dias de um amigo morto; quem jamais negligencia os ritos da amizade; quem guarda, se lhe derem de presente, a caneta e o isqueiro que não mais funcionam; […] quem coleciona pedras, garrafas e galhos ressequidos; quem passa mais de quinze minutos a fazer mágicas para as crianças; quem guarda as cartas do noivado com uma fita; quem sabe construir uma boa fogueira; […] quem procura decifrar no desenho da madeira o hieróglifo da existência; quem não se envergonha da beleza do pôr do sol ou da perfeição de uma concha; quem se desata em riso à visão de uma cascata; quem não se fecha à flor que se abriu de manhã; quem se impressiona com as águas nascentes, com os transatlânticos que passam, com os olhos dos animais ferozes; quem se perturba com o crepúsculo; quem visita sozinho os lugares onde já foi feliz ou infeliz; quem de repente liberta os pássaros do viveiro; quem sente pena da pessoa amada e não sabe explicar o motivo; quem julga perceber o "pensamento" do boi e do cavalo; todos eles são presidiários da ternura, e, mesmo aparentemente livres como os outros, andarão por toda parte acorrentados, atados aos pequenos amores da grande armadilha terrestre.
“Pequenas ternuras”, de Paulo Mendes Campos.
Disponível em: . Acesso em: 30 dez. 2018. (adaptado)
A respeito das pessoas descritas na crônica, conclui-se que
caracterizam pessoas reais que autor conheceu em cada uma das situações apresentadas.
representam os leitores das crônicas líricas, geralmente definidos como leitores emotivos.
são fictícias e representam um grupo de pessoas que o eu lírico define ao final da crônica.
retratam a mesma pessoa em planos diferentes, sendo esse estilo próprio do gênero.
Respostas
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7
Resposta:
são fictícias e representam um grupo de pessoas que o eu lírico define ao final da crônica.
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1
Resposta:
Letra b está correta
Explicação:
Comumente, em uma crônica lírica, há elementos fictícios utilizados pelo autor para expressar suas ideias e seus sentimentos. Nessa crônica, as pessoas descritas por Paulo Mendes Campos são apenas exemplos que representam um grupo de pessoas que ele define ao final do texto.
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