A DESCOBERTA DO MUNDO: a crônica na poética clariceana
Disfarçada sob a aparência de simplicidade, leveza de linguagem, circunstancialidade, a crônica oscila entre a literatura e o jornalismo, uma vez que é primeiramente pensada para ocupar as páginas do jornal. Compilada em livro, transita do veículo efêmero – o jornal – para o duradouro – o livro. Não é mais apenas crônica, mas objeto literário que guarda suas características, noutro tempo, noutra história.
Temerosa, mas motivada por questões pessoais, Clarice Lispector aceita o convite para escrever crônicas para o Jornal do Brasil, mantendo-se aí de 19 de agosto de 1967 a 29 de dezembro de 1973. Essa produção obrigatória a exasperava, uma vez que contradizia visceralmente seu processo criativo, como declarou por diversas vezes. Era preciso inventar um método, uma “estratégia” para vencer a situação; e o exercício da ficcionista diante dessa condição é quase sempre levado no plano metalinguístico, numa repetição ou ainda, num plágio de si mesma; e o fazer literário, tema constante da poética clariceana, também aqui se faz intenso. Falando diretamente ao leitor, Clarice expõe suas dúvidas e discute o que significa escrever, e, especificamente, escrever crônicas, tentando, em alguns momentos, até mesmo esboçar uma teoria: “Sei que não sou, mas tenho meditado ligeiramente no assunto. (...) Crônica é um relato? É uma conversa? é o resumo de um estado de espírito? Não sei, pois antes de escrever para o Jornal do Brasil, eu só tinha escrito romance e contos (...) E acho que vou ter uma conversa com o Rubem Braga porque sozinha não consegui entender.” (LISPECTOR, 1999. p.112/113 – “Ser cronista”).
Ou ainda: “Vamos falar a verdade: isto aqui não é crônica coisa nenhuma. Isto é apenas. Não entra em gênero. Gêneros não me interessam mais.” (LISPECTOR, 1999. p. 347 “Máquina escrevendo”).
Embora sua relação com o jornal fosse de longa data, os fragmentos citados nos revelam os questionamentos da autora, quanto à especificidade do que faz e sua condição pouco à vontade na nova função: a de ser cronista. Não que as classificações a assustassem, não, essas nunca a assustaram e romper com o modelo era sua marca. Mas, conforme Gotlib (1995), talvez a melhor forma de considerar essas crônicas seja mesmo texto, tal como a própria Clarice os nomeava, sem que os mesmos ficassem aprisionados a um gênero específico, garantindo à artista a liberdade de escrever como quisesse.
Somando-se a isso, um outro incômodo se revela para a autora, nesta nova função: ela problematiza o eu que escreve, apontando para uma nova preocupação: a do risco de pessoalidade em oposição ao anonimato oferecido pela literatura: “Na literatura de livros permaneço anônima e discreta. Nesta coluna estou de algum modo me dando a conhecer. Perco minha identidade secreta? Mas que fazer? É que escrevo ao correr da máquina e, quando vejo, revelei certa parte minha. (...)” (LISPETOR, 1999. p. 137 “Fernando Pessoa me ajudando”).
É, uma vez mais, a partir desse trabalho em jornal, Lispector indagando a respeito de sua identidade, o “quem sou eu?” “e eu sou?”. Para Foucault (1992), o nome do autor já o identifica e o singulariza. A autora chega a confessar que, na crônica, o eu não consegue escapar. Lispector não só assina o próprio nome, como também trata, nesses textos, dos filhos, da casa, da empregada, dos lugares por onde andou, dos amigos, da escrita, da arte: pintura, escultura, música, dança. (GOTLIB, 1995).
É possível ainda ver desfilar, nesses textos de jornal, fragmentos de contos, crônicas, romances, entrevistas, evidenciando um revisitar-se da artista, a repetição, o plágio de si mesma, a procura de tema, assunto para contar.
Desvinculadas deste espaço gráfico da coluna específica em que figuraram, essas crônicas foram reunidas e publicadas na obra A descoberta do mundo (1984), coletânea de 466 crônicas reunidas em ordem cronológica, publicadas aos sábados, no J.B, de agosto de 1967 a dezembro de 1973.
Orientando-nos na esteira de Foucault(1992), de que a obra operacionaliza estruturas verbais movidas por relações experimentadas por uma escrita transgressora, que ora mostra, ora esconde sua autoria [...].
QUESTÕES
2. As crônicas produzidas por Clarice foram publicadas em: *
2 pontos
livro
jornal
jornal e livro
3. Qual é o provável público-alvo de jornais e qual é o provável público-alvo de livros? *
2 pontos
5. Veja: “Essa produção obrigatória a exasperava [...]”. Qual é o sentido do adjetivo “obrigatória”, nesse contexto? Explique com texto próprio. *
Respostas
respondido por:
2
Resposta:
Não dá pra entender nada
juliabevilaquavc:
o texto é assim msm, não tem nem mudança aí
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