A ilha dos recusados
João Emanuel Carneiro
Sem-teto, sem-terra, sem-emprego, sem nada. Agora vivemos a era
dos ‘’sem’’. Nada mais apropriado. Afinal, estamos num país que sempre foi
regido pelo “sem”. O conceito de “sem” pode ser inclusive ampliado. É possível
incluir, por exemplo, novas categorias: os sem-namorado, os sem-namorada –
que podem degenerar na categoria ainda mais moribunda dos sem-mulher e
dos sem-homem –, os sem-carinho, os sem-auto-estima, os sem-jeito – esses,
coitados, fundadores da liga dos “sem”.
O mais curioso da designação atual da nomenclatura “sem” é que
estão embutidas nesse “sem” uma indignação, uma perplexidade e uma revolta
diante deste mundo cruel que priva os “sem” do direito natural a se tornar um
“com” . Daí imaginarmos que um dia haverá os sem-home theatre, os sem-
jatinho particular, os sem-Jaguar, os sem-piscina, os sem-iate, os sem-
Portinari, para não falar nos sem-caviar, sem-lipoaspiração, sem-peeling, sem-
copeiro, sem-jardim, sem-camembert, e por aí vai...
Temos também os sem-dia-a-dia, gente que padece do terrível
problema de acordar e não ter nada pra fazer. A lista é encabeçada pelos sem-
filme – facção de cineastas que só faz crescer a cada dia –, pelos sem-CD
próprio – já são mais de 1 milhão de cantores e compositores no Brasil –, pelos
sem-papel – dá pra encher 100 Maracanãs só com os atores sem-papel no Rio
de Janeiro –, pelos sem-tela – artistas plásticos que não arrumam dinheiro para
comprar telas e são obrigados a passar a vida fazendo aquarelas em papel e
terminam ficando sem-exposição e sem-catálogo –, e pelos sem-editora –
escritores que não conseguem publicar seus textos cujo lema é “por que o
Paulo Coelho vende 1 milhão de exemplares e eu não?!”
Outra vertente são os despossuídos em que a palavra “sem” ainda tem
uma conotação pejorativa: os sem-ética, os sem-educação, os sem-talento, os
sem-assunto ou os sem-graça, por exemplo. Esses, ao contrário dos outros
“sem” de hoje em dia, cujo “sem” é ostentado com orgulho político, têm
vergonha de ser “sem” ou muitas vezes nem assumem para si próprios sua
sem-vergonhice.
Lembro-me de Amarcord, um filme glorioso de Fellini. Ninguém mais “sem”
do que o personagem daquele sujeito que trepa numa árvore e grita lá de cima
que só desce quando arrumarem uma mulher.
Inspirado no filme de Fellini, aí vai minha sugestão para os sem-afeto,
os sem-beijo, os sem-cafuné: gritem, reclamem, façam passeatas, comícios,
acampem diante das igrejas. Nas faixas, nos cartazes, escrevam:”Pela
distribuição igualitária do amor!”
Não é possível que o mundo seja tão injusto a ponto de deixar tantos
seres humanos desassistidos daquele que é o direito básico de qualquer
concidadão: o amor. Tem amor pra todo mundo. Só é preciso fazer a reforma
agrária do afeto.
INTERPRETAÇÃO TEXTUAL
1. Releia.
O mais curioso da designação atual da nomenclatura “sem” é que estão
embutidas nesse “sem”uma indignação, uma perplexidade e uma revolta
diante deste mundo cruel que priva os “sem” do direito natural a se tornar um
“com”
Nesse trecho o autor explora a oposição semântica entre o sem e o com. Qual
é o efeito de sentido promovido por essa oposição?
Respostas
respondido por:
2
Resposta:
Explicação:
Um conflito humano
juliadomachado3:
obrigada!
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