• Matéria: Português
  • Autor: tc6349158
  • Perguntado 4 anos atrás

MEDO DA ETERNIDADE – Clarice Lispector

Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.
Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu
nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava
para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.
Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:
– Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira.
– Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa.
– Não acaba nunca, e pronto.
– Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a
pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia
acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para
chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente,
tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta.
Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.
– E agora que é que eu faço? – perguntei para não errar no ritual que certamente deveira haver.
– Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a
mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.
– Perder a eternidade? Nunca.
O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos
para a escola.
– Acabou-se o docinho. E agora?
– Agora mastigue para sempre.
Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa
cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na
verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de
medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito.
Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu
mastigava obedientemente, sem parar.
Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no
chão de areia.
– Olha só o que me aconteceu! – disse eu em fingidos espanto e tristeza. – Agora não posso mastigar mais! A
bala acabou!
– Já lhe disse – repetiu minha irmã – que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a
gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um
dia lhe dou outro, e esse você não perderá.
Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo
que o chicle caíra da boca por acaso.
Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

Jornal do Brasil, 06 de junho de 1970
(A descoberta do mundo, p.289-91)
1) "A descoberta do mundo ", a obra citada anteriormente possui uma grande delicadeza e sabedoria ao tratar e referir -se a um assunto que dito abertamente acaba nos causando medo. Baseado nesta resenha como você está se preparando para seu projeto de vida? *
2)A crônica é contada pela visão de uma criança onde a principio há grande curiosidade em relação ao "chicle" que até então não havia sido apresentado a ela, até o dia que sua irmã a presenteia, dando-lhe então instruções de como deveria fazer. Na sua opinião e escola esta proporcionando uma visão e apoiando você no seu projeto de vida?
3) Ao descobrir que a bala seria eterna a criança fica intrigada, e ao provar sente o adocicado do Chiclete que a princípio não era ruim, porém dali um tempo passou a não gostar do gosto. E a ideia de eternidade lhe causara medo, trazendo a reflexão de que não é capaz de suportar o peso da eternidade. Como você esta se preparando para quando surgir obstáculos na vida e não desanimar de seus projetos?

Respostas

respondido por: andrezalimapir
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Resposta:

número 3 porque como o Chicle não é eterno, a vida também não seria

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