• Matéria: Português
  • Autor: hebertlauton
  • Perguntado 4 anos atrás

(Dom Casmurro, capítulo XXXI), de MACHADO DE ASSIS
E Capitu deu-me as costas, voltando-se para o espelhando. Peguel-lhe dos cabelos, colhi-os
todos e entrei a alisá-los com o pente, desde a testa até as últimas pontas, que lhe desciam à
cintura. Em pě não dava jeito: não esquecestes que ela era um nadinha mais alta que eu, mas
ainda que fosse da mesma altura. Pedi-lhe que se sentasse.
-Senta aqui, é melhor.
Sentou-se. "Vamos ver o grande cabeleireiro", disse-me rindo. Continuei a alisar os cabelos,
com muito cuidado, e dividi-os em duas porções iguais, para compor as duas tranças. Não as fiz
logo, nem assim depressa, como podem supor os cabeleireiros de oficio, mas devagar,
devagarinho, saboreando pelo tato aqueles fios grossos, que eram parte dela.
O trabalho era atrapalhado, às vezes por descuido, outras de propósito para desfazer o feito
e refazê-lo. Os dedos roçavam na nuca da pequena ou nas espáduas vestidas de chita, e a
sensação era um deleite. Mas, enfim, os cabelos iam acabando, por mais que eu os quisesse
intermináveis. Não pedi ao céu que eles fossem tão longos como os da Aurora, porque não
conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me apresentaram depois; mas, desejei
penteá-los por todos os séculos dos séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o
infinito por um número inominável de vezes.
Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que nunca penteastes uma pequena, nunca
pusestes as mãos adolescentes na jovem cabeça de uma ninfa... Uma ninfal Todo eu estou
mitológico. Ainda há pouco, falando dos seus olhos de ressaca, cheguei a escrever Tétis;
risquei Tétis, risquemos ninfa, digamos somente uma criatura amada, palavra que envolve todas
as potências cristãs e pagās.
Enfim acabei as duas tranças. Onde estava a fita para atar-lhes as pontas? Em cima da
mesa, um triste pedaço de fita enxovalhada. Juntei as pontas das tranças, uni-as por um laço,
retoquei a obra, alargando aqui, achatando ali, até que exclamei:
-Pronto!
-Estará bom?
-Veja no espelho.
Em vez de ir ao espelho, que pensais que fez Capitu? Não vos esqueçais que estava
sentada, de costas para mim. Capitu derreou a cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir
com as mãos e ampará-la; o espaldar da cadeira era baixo. Inclinei-me depois sobre ela rosto a
rosto, mas trocados, os olhos de uma na linha da boca do outro. Pedi-lhe que levantasse a
cabeça, podia ficar tonta, machucar o pescoço. Cheguei a dizer-lhe que estava feia; mas nem
esta razão a moveu.
-Levanta, Capitu!
Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela
abrochou os lábios, eu desci os meus, e...
Grande foi a sensação do beijo; Capitu ergueu-se, rápida, eu recuei até à parede com uma
espécie de vertigem, sem fala, os olhos escuros. Quando eles me clarearam vi que Capitu tinha
os seus no chão. Não me atrevi a dizer nada, ainda que quisesse, faltava-me língua. Preso,
atordoado, não achava gesto nem ímpeto que me descolasse da parede e me atirasse a ela
com mil palavras cálidas e mimosas...




3) Por que o narrador desse texto é classificado como narrador-personagem?​

Respostas

respondido por: vanessarufatto
0

Olá!

Pelo fato de quem narra a história estar dentro do elenco, ser um personagem, que é Bentinho, marido de Capitu.

espero ter ajudado! bons estudos :)

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