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A discriminação no sistema público de saúde é mais sentida por negros do que brancos, segundo números da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) revelada em maio, e isso mostra que ela tem caráter racial. De toda a população branca atendida, 9,5% saem da unidade hospitalar com o sentimento de discriminação. O percentual é maior entre pretos (11,9%) e pardos (11,4%), ambas nomenclaturas adotadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) cuja soma representa a população negra. Menos pretos e pardos saem com avaliação "boa" ou "muito boa" do atendimento, 70,6% e 69,4%, em relação aos brancos, 73,5% deles satisfeitos. E esses são só os dados menos "objetivos", que dependem da opinião dos entrevistados. Os concretos (confira no gráfico abaixo) revelam que negros têm desvantagem em todos os quesitos pesquisados pela PNS: consultam menos médicos e dentistas, têm menos acesso a remédios receitados no atendimento, tiveram mais dengue, têm mais problemas de saúde que impedem alimentação, têm menos planos de saúde (exceto quando o empregador paga a conta, outro sinal de desigualdade), usam menos escova, pasta e fio dental.
Há algumas explicações para a desigualdade racial na saúde. A primeira é o próprio preconceito: a discriminação aos negros, apesar da miscinegação brasileira, não acabou. A desigualdade econômica pesa, visto que a população negra tem menos poder financeiro para pagar um plano de saúde privado do que a branca. Há também o fato de a informalidade no emprego ser maior entre pretos e pardos – mulheres negras que trabalham como domésticas sem carteira assinada não têm direito a plano de saúde, por exemplo. E há a questão geográfica. "A rede do SUS [Sistema Único de Saúde] está mais presente em regiões de classe média, e a população negra por fatores históricos está concentrada em regiões periféricas", afirma Irineu Barreto, analista do Sistema Estadual de Análise de Dados de São Paulo (Seade) que se dedica à pesquisa da desigualdade racial. "E mesmo nas regiões mais pobres a população negra tem mais dificuldade do que a branca. A pobreza é mais cruel para os negros".
É difícil concluir a partir de dados se o racismo na saúde tem diminuído ou aumentado no Brasil porque faltam pesquisas. A PNS de 2015 com detalhamento por raça e cor é a primeira a fazê-lo. Mas há um indício disso nos números sobre mortalidade materna do SUS. Em 2004, 62.659 mulheres morreram em decorrência do parto, das quais 47% eram brancas e 43%, negras, a soma de pretas e pardas. Dez anos depois, em 2014, 63.408 mortes foram registradas. Delas, 42% eram brancas, e 53%, negras. Em um período de dez anos, portanto, não só aumentou o número de mulheres que continuam a morrer de complicações de uma gravidez, a condição da parcela negra piorou enquanto a da branca melhorou. Há a ressalva de que, em 2004, o preenchimento dos dados ainda era precário. Havia médicos que assinalavam "branca" em vez de "preta" ou "parda" ao descrever a paciente na ficha. Naquele ano, as investigações sobre as mortes das mães também eram muito menores. Independentemente de melhorar ou piorar, o fato é que o quadro é grave.
A declaração do ministro evidenciou esforços de ativistas. O problema é que as atitudes burocráticas – criar uma Comissão Intersetorial de Saúde da População Negra no Conselho Nacional de Saúde (CNS) em 2008, instituir a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra em 2009, incluir no Estatuto da Igualdade Racial trechos que tratam da saúde em 2010 – não viraram ações concretas. Jurema Werneck, da ONG Criola, ocupou vaga do movimento negro no CNS. Ela percorreu o país para estudar políticas públicas, negociar com secretarias de saúde de municípios, mobilizar autoridades para o melhor tratamento do negro na saúde. A conclusão dela é que houve avanço no reconhecimento do racismo como um problema na saúde, mas pouco além disso. "A política não foi implementada como deveria", diz ela. "O Agenor Álvares foi o único a enfrentar o problema com seriedade. Depois dele uns e outros ministros disseram, mas não fizeram nada. O atual [Arthur Chioro] nem sequer responde. Faz cinco anos que a saúde do negro virou lei, e ela continua sendo ignorada".
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