Respostas
Resposta:
informações, histórias, e me deram a real dimensão da minha ignorância e falta de
vivência sobre vários assuntos. Me identifiquei (sem me comparar, é claro) com
passagens da biografia de Luiz Gama, o advogado também negro e baiano, e
perturbei todo mundo dizendo para lerem o romance Um defeito de cor, da Ana
Maria Gonçalves.** Me emocionei ao escutar as histórias dos meus parentes mais
velhos. Dei muitas risadas ao relembrar as aventuras com meus companheiros de
teatro e os amigos de infância do bairro do Garcia.
O Espelho foi o grande marco. Surgiu a partir do Cabaré da raça (1997),
espetáculo criado e encenado pelo Bando de Teatro Olodum, grupo no qual entrei
aos dezesseis anos, em Salvador. O programa estreou na TV quando já fazia cinco
anos que eu estava longe do Bando, morando no Rio. Ou seja: teve início num
período em que eu já não estava mais tão próximo dos meus pares, aqueles que
compartilhavam comigo uma determinada visão sobre alguns aspectos da questão
racial no Brasil.
Ter passado a conviver com pessoas que não refletiam sobre o racismo no seu dia
a dia me fez buscar argumentos para inserir esse tema nas conversas. Queria que
elas percebessem o que para mim era tão claro. Queria dividir sem medo minha
sensação de entrar num restaurante e ser o único negro no lugar. Queria mostrar as
riquezas da cultura afro-brasileira, da qual eu tanto me orgulho e que é tantas vezes
ignorada.
A experiência no Espelho me dizia que havia acontecido uma mudança de atitude
e eu identificava nos negros uma vontade de não “ficar na queixa”. A palavra
“identidade”, que passou a aparecer com cada vez mais frequência, calou fundo em
mim. Ao mesmo tempo, comecei a ter a clareza de que essa não é uma “questão dos
negros”. É uma questão de qualquer cidadão brasileiro, ela diz respeito ao país, é
uma questão nacional. Para crescer, o Brasil precisa potencializar seus talentos, e o
preconceito é um forte empecilho para que isso aconteça. Vamos buscar soluções
efetivas para transformar essa situação?
Esta viagem que começa aqui só é possível porque redescobri um mundo que é
meu, mas que não pertence só a mim. Ele é parte de uma busca que todos nós
devemos fazer para compreendermos quem somos. Por isso, sempre que eu falar
de mim neste livro, estarei também falando sobre você. Ou, ao menos, sobre essa
busca saudável por identidades.
Os momentos que soarem mais autobiográficos estão aqui apenas para servir de
fio condutor da viagem que fiz para destrinchar esse tema. Se posso fazer alguma
sugestão, aconselho que abra este livro não para encontrar minha biografia, mas
para ouvir as vozes dos que estão ao meu lado. Estas páginas foram elaboradas por
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várias vozes. É uma narrativa capitaneada por mim, mas que conta com a
contribuição de uma série de personagens — alguns famosos e muitos anônimos —,
que se reúne aqui para construir um caudaloso fluxo de informações, sentimentos e
reflexões. São pessoas de diferentes idades, profissões, gênero e religiões.
Uso esta espécie de apresentação para dizer que ainda tenho muito a aprender e
que eu sei que ainda há muitas respostas a buscar fora e dentro de mim. Não sou
um acadêmico ou um pensador com trabalhos voltados para esta temática, e nunca
pretendi expor aqui um estudo, mesmo que informal, sobre as questões raciais no
Brasil.
Sei que encontrei em você uma companhia, que escolheu este livro numa livraria,
ou o ganhou de presente de um amigo que não teve tempo de procurar outra coisa,
ou quem sabe você o encontrou jogado num canto e começou a folheá-lo por
acaso. Quem é você? Provavelmente nunca saberei, mas o importante é que o
milagre aconteceu e agora estamos juntos, vestindo a mesma pele, esta pele que
viaja conosco e que nos antecede.
Espero que aqui você dialogue prazerosamente com outras pessoas. Com elas,
além de ter aprendido muita coisa, organizei ideias, pontos de vista e percepções a
respeito de como somos afetados individual e coletivamente por simples gestos
(sejam eles positivos ou negativos).
A linha que costura este livro é a minha formação de identidade e consciência
sobre esse tema, mas que, no fundo, é só um artifício para falar de todos nós.
Por enquanto é isso.
Boa viagem.
P.S.: Anos depois, um taxista me disse de forma efusiva: “Grande Álvaro Gom