Eu reconheço um episódio de Black Mirror quando vejo um. Por isso, tomei um susto desgraçado
quando li, na última sexta, que a cantora Barbra Streisand havia encomendado um clone de seu cachorro morto
por 50 mil dólares. Dei um belo beliscão no braço para ver se eu estava mesmo no escritório, e não no sofá de
casa, assistindo à quinta temporada numa pré-estreia exclusivíssima. Depois, dei um rolê rápido no Twitter e
descobri que quase todo mundo achou a ideia ótima. Fofa.
Antes de começar o textão, uma ressalva básica: eu, infelizmente, nunca saí na rua para lutar pelos
direitos dos animais. E, apesar de achar o vegetarianismo uma ótima ideia (não só do ponto de vista ideológico
como do científico também), me falta força de vontade para segui-lo. Não vou tentar arranjar desculpas para
essa preguiça. Eu concordo plenamente que pessoas vão longe demais nessa história de confundir animais com
objetos inanimados. E é esse ponto de vista que vou defender aqui.
Para começo de conversa, produzir clones usando o método da ovelha Dolly só é simples na teoria.
Vamos revisar: você pega o núcleo de uma célula, que contém o DNA do animal que será copiado, e o insere
no óvulo de uma fêmea qualquer. Depois, pega esse óvulo e o implanta no útero de uma segunda fêmea, que
levará a gestação adiante.
A chance de o processo descrito acima dar errado é muito grande. Quando Dolly foi clonada, foi a
única que vingou entre 29 embriões, implantados em 13 úteros. Snuppy, o primeiro cachorro clonado da
história, é o único sobrevivente entre outras 94 potenciais cópias, que não sobreviveram à gestação. É óbvio
que, duas décadas depois, a técnica já é bem mais eficiente. Em 2014, a China já estava clonando porcos para
fins industriais com taxas de sucesso entre 70% e 80%. Mas ainda há uma margem de erro razoável aí, que
precisa ser compensada por meio da criação de mais de um óvulo e da inseminação de mais de uma fêmea.
Em outras palavras, empresas como a que Streisand contratou para xerocar seu pet se aproveitam de
cadelas anônimas, que fornecem úteros e óvulos (cuja extração envolve estimulação hormonal e intervenção
cirúrgica). Há uma entrevista detalhada sobre isso na Scientific American, e esta reportagem relata a rotina de
uma empresa sul coreana especializada no ramo. É no mínimo sacanagem usar e abusar de dezenas de Canis
lupus familiaris para gerar um único exemplar de um animal da mesma espécie, só por causa de sua aparência
física. A única diferença entre o coton du tulear de Streisand e o vira lata do boteco é que um nasceu em berço
de ouro, com pedigree, e o outro na esquina. Cachorro para adotar é o que não falta nesse mundo.
Mas o absurdo não para por aí. A própria Streisand admitiu que clones costumam não ter nada a ver
com a matriz. Eu digo isso com a propriedade: minha avó materna, Aurélia, é um clone. No caso, um clone de
Pasquina, sua irmã gêmea. O mundo está povoado desses clones naturais, você também deve conhecer um
par. Se conhece, sabe que eles são muito diferentes no que mais importa: a personalidade.
Por isso, clonar um cachorro que já morreu, além de um transtorno para outros cachorros que não tem
nada a ver com a história, é um desrespeito a sua memória. A personalidade de um mascote é moldada por
suas primeiras semanas de vida tanto quanto é por seus genes. Seu cachorro é resultado das experiências que
viveu com você, e não só da herança que carrega no núcleo de suas células. Ao considerar cloná-lo, você está,
de certa forma, colocando aparência acima da amizade. Não é assim que funciona. As pessoas que nós amamos
morrem, os animais também, e ainda que eles sejam complexos em diferentes graus, nem um e nem outro
pode ser substituído.
1) O texto que você acabou de ler é um artigo de opinião. Ele foi escrito em 1ª ou 3ª pessoa? Indique
um trecho que mostre o uso dessa pessoa.
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sobre a clonagem de animais. E você, concorda com a opinião dele? Por quê?
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