O Amor e a Morte
Carlos Heitor Cony
Rio de Janeiro – Foi em dezembro, dez anos atrás. Mila teve nove filhotes, impossível ficar com a
ninhada inteira, fiquei com aquela que me parecia a mais próxima da mãe.
Nasceu em minha casa, foi gerada em minha casa, nela ela viveu esses dez anos, participando de
tudo, recebendo meus amigos na sala, cheirando-os e ficando ao lado deles – sabendo que de alguma
forma deveria homenageá-los por mim e por ela.
Ao contrário da mãe, que tinha alguma autonomia existencial, aquilo que eu chamava de “fungos
fidalgos, como o Dom Casmurro, Titi era um prolongamento, era o sol e todas as estrelas, o universo dela
centrava-se em acompanhar, resumia-se em estar perto.
Quando Mila foi embora, há dois anos atrás, ela compreendeu que ficar mais importante – e, se
isso fosse possível, mais amada. Escoou com sabedoria a dor e o pranto, a ausência e a tristeza, e se já
era atenta aos movimentos mais insignificantes da casa, com o tempo tornou-se um pedaço significante da
vida em geral e do meu mundo particular.
Vida e mundo que deverão, agora, continuar sem ela – se é que posso chamar de continuação o
que tenho pela frente.
Perdi alguns amigos, mas foram perdas coletivas que doeram, mas, de certa forma, são
compensadas pela repartição do prejuízo.
Perder Titi é um “resto de terra arrancado” de mim mesmo – e estou citando pela segunda vez
Machado de Assis, que criou um cão com o nome do dono (Quincas Borba) e sabia como ninguém que
dono e cão são uma coisa só.
Essa “coisa só” fica mais só, nem por isso fica mais forte, como queria Ibsen. Fica apenas mais
sozinho mesmo, sem ter aquele olhar que vai fundo da gente e adivinha até a alegria e a tristeza que
sentimos sem compreender. Sem Titi, é mais fácil aceitar que a morte seja tão poderosa, desde que seja
bem menos poderosa do que o amor.
01- O primeiro parágrafo do texto já revela que o autor faz uso de uma linguagem
(A) formal, com palavras que caíram em desuso.
(B) regional, que caracteriza o seu grupo social.
(C) coloquial, com gírias em exagero.
(D) informal, porém cuidadosa.
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(D) informal, porém cuidadosa.
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