como grande parte das famílias Brasileiras se alimentava por volta da década de 1950? e o que mudou para os tempos atuais?
Respostas
Resposta:
A alimentação, em roupagens variadas, está na ordem do dia no Brasil do século XXI. Certamente, muito desse interesse imediato reside no acompanhamento das políticas públicas emanadas especialmente do governo federal, a partir de 2003, quando da criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome em cujo organograma inserem-se a Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan) e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), responsáveis pela implementação das ações nessa área2.
Nas atuais políticas voltadas à segurança alimentar3, não se esboça nenhum traço de dúvida quando à razão da fome: trata-se de um problema decorrente da má distribuição de renda. A questão é pungente e encontra-se no fulcro das profundas divisões sociais existentes no país, sendo abordada de maneiras diferentes, caracterizando, ainda, a imagem do país, seja entre os brasileiros ou no exterior.
A unanimidade em torno da má distribuição de renda como motivo para a persistência da fome remete a um debate que atravessou quase todo o século XX. Refiro-me à discussão que opunha argumentos em torno de dois paradigmas, ou seja, a carência alimentar como resultado da ignorância da população ou como fruto dos baixos níveis de rendimentos da maioria da população. De que tipo seria a fome dos brasileiros? Qualitativa-protéica ou quantitativa-calórica? A abordagem nutricional não foi a única possível para se chegar a uma resposta, mesmo porque a Nutrição só veio a se constituir como campo do conhecimento vinculado às ciências da saúde no decorrer desse longo debate.
Analisadas em perspectiva histórica, a segurança alimentar e, de forma abrangente, a alimentação, revelam-se temas perseverantes certamente, mais comuns no âmbito das políticas públicas e dos discursos de intelectuais ligados aos governos do que na produção dos cientistas sociais e historiadores brasileiros, como indicaram Meneses e Carneiro (1997, p. 52) e Santos (2005, p. 11-31).
A princípio, seria oportuno discutir as contribuições de autores que repuseram o tema da alimentação em foco, particularmente no âmbito dos estudos econômicos de caráter retrospectivo. Economistas que, em momentos diferentes de suas trajetórias profissionais, estiveram ligados a entidades sindicais e/ou ao governo produziram alguns textos cuja leitura deixa entrever a atualidade do assunto, a abordagem multidisciplinar das intervenções nessa área e a importância desses estudos para os profissionais que lidam com as questões da alimentação.
As metodologias de aferição, por equipes de economistas, dos padrões de vida de diferentes grupos sociais como as Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF) e as Pesquisas de Padrão de Vida (PPV) revelam a importância do item "alimentação" nos gastos familiares ou individuais dos assalariados em temporalidades distintas, ao longo do século XX. De acordo com os técnicos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), os gastos de famílias operárias em São Paulo com o item "alimentação" teria caído de 64,3% (em 1958) para 51% do orçamento em 1970 (excetuadas as despesas com moradia), o que sinalizaria uma perda real do poder aquisitivo do salário mínimo (ARANTES, 2000, p. 185), mas, ainda assim, indicando que mais da metade das despesas familiares se destinava a suprir esse item fundamental da sobrevivência.
A partir do cruzamento de dados obtidos nessas pesquisas e da sua comparação com estudos consolidados de padrões nutricionais, pôde-se constatar que a renda era o fator decisivo na definição das possibilidades de desnutrição em amplos setores da população. Estudiosos ligados ao Instituto de Pesquisas Econômicas (atual Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo FIPE-USP) coletaram dados junto a mais de 2.000 famílias paulistanas, entre setembro de 1971 e agosto de 1972, concluindo que uma parcela minoritária dos entrevistados (15,7%) encontrava-se fora dos padrões nutricionais adequados. Também concluíram que, a partir de um nível de renda superior a um salário mínimo por pessoa, essa inadequação se tornava insignificante e que a deficiência alimentar era mais de quantidade do que de qualidade (ALVES, 1977, p. 145).
Se até aqui as conclusões não chegam a surpreender, a afirmação seguinte de que o grau de educação formal dos pais influía de modo irrelevante na determinação do estado nutricional das famílias (ALVES, 1977) levanta questões que permitem retomar as pretensões dos higienistas, médicos e nutrólogos que insistiam na ignorância popular em relação à alimentação e eram céticos quanto à salvação pública que decorreria dos programas de educação alimentar.