Análise de um Relato
[…] Em Santos, onde morávamos, minha mãe me lia histórias, meu pai gostava de declamar
poesias. Foi em algum momento do ginásio – por volta do que hoje seria a sexta ou sétima série – que li de começo a
fim um romance: Inocência, de Taunay, é minha mais remota lembrança de leitura de um romance brasileiro. Livro
aberto nos joelhos, afundada de atravessado numa poltrona velha e gorda, num quartinho com máquina de costura,
estante de quinquilharias e uma gata branca chamada Minie.
Até então, leitura era coisa doméstica. Tinha a ver apenas comigo mesma, com os livros que havia na
estante de quinquilharias de meu pai e com os volumes que avós, tias e madrinhas me davam de
presente. No cardápio destas leituras, Monteiro Lobato, as aventuras de Tarzan, os volumes da Biblioteca das Moças.
O sítio do Pica pau Amarelo, as florestas africanas, castelos e cidades
europeias constituíam a geografia romanesca que preenchia meus momentos livres. Mas um dia a escola entrou na
história.
Dona Célia, nossa professora de português, mandou a gente ler um livro chamado Inocência. Disse que era
um romance. Na classe tinha uma menina chamada Maria Inocência. Loira desbotada, rica e chata. Muito chata.
Alguma coisa em minha cabeça dizia que um livro com nome de colega chata não podia ser coisa boa.
Foi por isso que com a maior má vontade do mundo é comecei a leitura do romance de Visconde de
Taunay, de quem eu nunca tinha ouvido falar: visconde, para mim, era o de Sabugosa. Fui lendo a frio, sem
entusiasmo nenhum. O presságio da chatice confirmava-se, até que apareceu o episódio das borboletas. Aí me
interessei pelo livro: um alemão corria caçando borboletas e depois dava a uma delas o nome da heroína do livro…
Gostei. Não muito, mas gostei. E passei a olhar o nome das borboletas com olhos diferentes: alguma delas seria
a papilo innocentia da história?
Por alguma razão, encantou-me o gesto de nomear, episódio completamente secundário nas interpretações
mais tradicionais do romance. Acho que passei batida pelo enredo amoroso, pela caturrice do pai da moça, pela
charlatanice do médico ambulante. Mas – apesar do latim – seduziu-me a ideia delicada de homenagear alguém
dando seu nome a uma coisa bonita, mesmo que esse alguém nunca ficasse sabendo da homenagem. Mas não
me entreguei completamente: passei a chamar de Papilosa minha colega chata, e o apelido pegou!
Não incluo Inocência entre os melhores livros que li, mas foi ele que me ensinou a ler romances e a gostar
deles: desconfiando primeiro, abrindo trilhas depois e, finalmente, me entregando à história.
Depois vieram outros, em casa e na escola. Com o tempo virei uma profissional da leitura, dando aula de literatura
em colégios, cursinhos e faculdades. Mas a leitura profissional – embora seja um outro lance – nunca abafou a
expectativa com que abro um novo romance: sei que ali me espera um universo inteiro, que posso aceitar ou recusar.
Palavras e frases se encorpam em personagens, em objetos, em cenários, em emoções. O romance sempre engendra
surpresas. Que podem me seduzir ou me deixar indiferente.
Até hoje, com um romance na mão, e como se eu estivesse no quartinho dos fundos de minha
infância, pronta para afundar na poltrona velha e gorda. Sei que posso reviver a experiência da leitora antiga, que se
surpreendeu ao encontrar uma história de borboletas com nome de gente num livro que parecia prometer apenas
meninas chatas e ricas.
Assim, livros e leituras foram ocupando espaços cada vez maiores. Na minha casa e na minha vida. A
estante do quartinho dos fundos ampliou-se. Ler e falar de livros virou profissão e muitos romances brasileiros
continuaram a construção da leitora que sou hoje. Dentre estes, alguns representaram momentos especiais. Pela
situação de leitura, pela forma como chegaram às minhas mãos, pela pessoa que os escreveu, pelo título, capa ou
nome de uma personagem, vai saber…
De acordo com a análise do relato, responda:
1- Onde está a introdução? Comprove com trechos do texto.
2- Onde está o desenvolvimento? Comprove com trechos do texto.
3- Em qual pessoa está o texto (1ª pessoa ou 3ª pessoa)? Comprove com
trechos do texto.
4- Em quais tempos verbais (presente, pretérito perfeito, pretérito imperfeito
ou futuro) encontra-se o texto? Comprove com trechos do texto.
5- Onde está a conclusão? Comprove com trechos do texto.
Respostas
Resposta:
Análise de um Relato
[…] Em Santos, onde morávamos, minha mãe me lia histórias, meu pai gostava de declamar
poesias. Foi em algum momento do ginásio – por volta do que hoje seria a sexta ou sétima série – que li de começo a
fim um romance: Inocência, de Taunay, é minha mais remota lembrança de leitura de um romance brasileiro. Livro
aberto nos joelhos, afundada de atravessado numa poltrona velha e gorda, num quartinho com máquina de costura,
estante de quinquilharias e uma gata branca chamada Minie.
Até então, leitura era coisa doméstica. Tinha a ver apenas comigo mesma, com os livros que havia na
estante de quinquilharias de meu pai e com os volumes que avós, tias e madrinhas me davam de
presente. No cardápio destas leituras, Monteiro Lobato, as aventuras de Tarzan, os volumes da Biblioteca das Moças.
O sítio do Pica pau Amarelo, as florestas africanas, castelos e cidades
europeias constituíam a geografia romanesca que preenchia meus momentos livres. Mas um dia a escola entrou na
história.
Dona Célia, nossa professora de português, mandou a gente ler um livro chamado Inocência. Disse que era
um romance. Na classe tinha uma menina chamada Maria Inocência. Loira desbotada, rica e chata. Muito chata.
Alguma coisa em minha cabeça dizia que um livro com nome de colega chata não podia ser coisa boa.
Foi por isso que com a maior má vontade do mundo é comecei a leitura do romance de Visconde de
Taunay, de quem eu nunca tinha ouvido falar: visconde, para mim, era o de Sabugosa. Fui lendo a frio, sem
entusiasmo nenhum. O presságio da chatice confirmava-se, até que apareceu o episódio das borboletas. Aí me
interessei pelo livro: um alemão corria caçando borboletas e depois dava a uma delas o nome da heroína do livro…
Gostei. Não muito, mas gostei. E passei a olhar o nome das borboletas com olhos diferentes: alguma delas seria
a papilo innocentia da história?
Por alguma razão, encantou-me o gesto de nomear, episódio completamente secundário nas interpretações
mais tradicionais do romance. Acho que passei batida pelo enredo amoroso, pela caturrice do pai da moça, pela
charlatanice do médico ambulante. Mas – apesar do latim – seduziu-me a ideia delicada de homenagear alguém
dando seu nome a uma coisa bonita, mesmo que esse alguém nunca ficasse sabendo da homenagem. Mas não
me entreguei completamente: passei a chamar de Papilosa minha colega chata, e o apelido pegou!
Não incluo Inocência entre os melhores livros que li, mas foi ele que me ensinou a ler romances e a gostar
deles: desconfiando primeiro, abrindo trilhas depois e, finalmente, me entregando à história.
Depois vieram outros, em casa e na escola. Com o tempo virei uma profissional da leitura, dando aula de literatura
em colégios, cursinhos e faculdades. Mas a leitura profissional – embora seja um outro lance – nunca abafou a
expectativa com que abro um novo romance: sei que ali me espera um universo inteiro, que posso aceitar ou recusar.
Palavras e frases se encorpam em personagens, em objetos, em cenários, em emoções. O romance sempre engendra
surpresas. Que podem me seduzir ou me deixar indiferente.
Até hoje, com um romance na mão, e como se eu estivesse no quartinho dos fundos de minha
infância, pronta para afundar na poltrona velha e gorda. Sei que posso reviver a experiência da leitora antiga, que se
surpreendeu ao encontrar uma história de borboletas com nome de gente num livro que parecia prometer apenas
meninas chatas e ricas.
Assim, livros e leituras foram ocupando espaços cada vez maiores. Na minha casa e na minha vida. A
estante do quartinho dos fundos ampliou-se. Ler e falar de livros virou profissão e muitos romances brasileiros
continuaram a construção da leitora que sou hoje. Dentre estes, alguns representaram momentos especiais. Pela
situação de leitura, pela forma como chegaram às minhas mãos, pela pessoa que os escreveu, pelo título, capa ou
nome de uma personagem, vai saber…
De acordo com a análise do relato, responda:
1- Onde está a introdução? Comprove com trechos do texto.
2- Onde está o desenvolvimento? Comprove com trechos do texto.
3- Em qual pessoa está o texto (1ª pessoa ou 3ª pessoa)? Comprove com
trechos do texto.
4- Em quais tempos verbais (presente, pretérito perfeito, pretérito imperfeito
ou futuro) encontra-se o texto? Comprove com trechos do texto.
5- Onde está a conclusão? Comprove com trechos do texto.
Explicação: