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Amigo,pelas minhas pesquisas é.
Nos primórdios do direito romano, estranhos não poderiam penetrar na propriedade sem ofender as entidades protetoras do lar. A propriedade era absoluta, sujeita apenas ao poder ilimitado do proprietário. Sendo proprietário de algo, tudo poderia ser feito, de qualquer forma, sem que terceiros (inclusive o Estado) interviessem.
Tamanha liberdade, no entanto, começa a ser questionada diante dos abusos de poder e violência em prol da proteção ilimitada do direito à propriedade privada. Com o surgimento do Estado intervencionista em substituição ao Estado liberal da revolução francesa, foram dados limites até mesmo à propriedade[5].
A primeira noção de função social da propriedade foi concebida no início do século XX, por León Duguit. O consagrado publicita francês foi quem, melhor que qualquer outro, despertou a atenção dos juristas para as transformações que se vinham processando, desde algum tempo, e em ritmo acelerado, na esfera do direito de propriedade, conferindo a este instituto uma noção jurídica nova[6]. Em oposição às doutrinas individualistas sustentadas até então, o autor defendeu que a propriedade é uma instituição jurídica que, como qualquer outra, formou-se para responder a uma necessidade econômica e, neste ensejo, evoluiu de acordo com tais necessidades [7].
Manoel Gonçalves Ferreira Filho discorre que para o desenvolvimento da ideia de função social da propriedade concorrem dois fatos. Por um lado, a contribuição da doutrina clássica do direito natural, devida a São Tomás de Aquino e de alguma forma trazida até hoje pela tradição da Igreja, e de outro lado a contribuição dos positivistas, já no fim do século XIX, também afirmando a propriedade como dotada de eminente função social. E é justamente neste contexto que coloca-se a lição clássica de León Duguit[8].
A natureza absoluta passou a ser relativizada. Foram atribuídas novas relevância e condições para sua fruição. A Constituição Brasileira de 1988 coloca, em seu artigo 5º, inciso XXII, que a todos é garantido o direito de propriedade. Em seguida, no entanto, no inciso XXIII, ela dá contornos relativos à propriedade dizendo que ela atenderá à sua função social.
A concepção nasceu da ideia de que, enquanto parte de uma sociedade, o homem deve empregar esforços no sentido de dar sua contribuição ao bem estar da coletividade em detrimento dos interesses unicamente individuais. Neste contexto, surge a teoria da função social, segundo a qual “todo indivíduo tem o dever social de desempenhar determinada atividade, de desenvolver da melhor forma possível sua individualidade física, moral e intelectual, para com isso cumprir sua função social da melhor maneira” [9].
Esta concepção enfatiza a importância da consciência de cada indivíduo enquanto ator no cenário da vida em sociedade. Somente a valorização da noção de trabalho em equipe, em prol do bem comum, respeitados os direitos individuais, tem o condão de garantir a paz e o bem estar social.
Passou a vigorar, portanto, o entendimento de que a propriedade é direito subjetivo, que deve cumprir uma função social. De todo modo, a propriedade passa a ser vista como instrumento de apoio à consecução dos fins sociais, cuja essência é o seu serviço à coletividade [10]. É dizer, mesmo constituindo-se em instituto voltado originariamente para a realização dos interesses individuais, a propriedade desempenha papel fundamental enquanto promotora dos interesses coletivos. Nas palavras de Cristiane Derani, a propriedade “inclusive enquanto fruição privada é justificada como meio de alcance da felicidade social, pois o bem-estar individual deve levar também à felicidade coletiva”[10].
A propriedade, portanto, apresenta como componente indissociável a sua função social, enquanto dever imposto a cada sujeito de direito, público ou particular. Neste contexto, o ordenamento constitucional brasileiro, segundo Francisco Carrera, “retira literalmente a faculdade de “não uso”, que o proprietário exercia quando investido no domínio de seu imóvel”[11].
O conceito de função social, como o de propriedade, sofreu evoluções. Em um primeiro momento, era apenas considerado o caráter econômico da propriedade, ou seja, a produtividade econômica da mesma. A Constituição de 1824 estabeleceu, apenas, que: “É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A lei marcará os casos em que terá lugar esta única exceção, e dará as regras para se determinar a indenização” (art. 179, inciso XXII). Já a Constituição republicana de 1891 prescreveu em seu art. 72, na redação dada pela Emenda de 3.9.1926, que: “O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salvo a desapropriação por necessidade, ou utilidade pública, mediante indenização prévia.”