• Matéria: Português
  • Autor: Anônimo
  • Perguntado 3 anos atrás

Mais Cordéis
A seca do Ceará
Leandro Gomes de Barros
Seca as terras as folhas caem,
Morre o gado sai o povo,
O vento varre a campina,
Rebenta a seca de novo;
Cinco, seis mil emigrantes
Flagelados retirantes
Vagam mendigando o pão,
Acabam-se os animais
Ficando limpo os currais
Onde houve a criação.
Não se vê uma folha verde
Em todo aquele sertão
Não há um ente d’aqueles
Que mostre satisfação
Os touros que nas fazendas
Entravam em lutas tremendas,
Hoje nem vão mais o campo
É um sítio de amarguras
Nem mais nas noites escuras
Lampeja um só pirilampo.
Aqueles bandos de rolas
Que arrulavam saudosas
Gemem hoje coitadinhas
Mal satisfeitas, queixosas,
Aqueles lindos tetéus
Com penas da cor dos céus.
Onde algum hoje estiver,
Está triste mudo e sombrio
Não passeia mais no rio,
Não solta um canto sequer.
Tudo ali surdo aos gemidos
Visa o aspectro da morte
Como a nauta em mar estranho
Sem direção e sem Norte
Procura a vida e não vê,
Apenas ouve gemer
O filho ultimando a vida
Vai com seu pranto o banhar
Vendo esposa soluçar
Uma adeus por despedida.
Foi a fome negra e crua
Nódoa preta da história
Que trouxe-lhe o ultimatum
De uma vida provisória
Foi o decreto terrível
Que a grande pena invisível
Com energia e ciência
Autorizou que a fome
Mandasse riscar meu nome
Do livro da existência.
E a fome obedecendo
A sentença foi cumprida
Descarregando lhe o gládio
Tirou-lhe de um golpe a vida
Não olhou o seu estado
Deixando desemparado
Ao pé de si um filinho,
Dizendo já existisses
Porque da terra saísses
Volta ao mesmo caminho.
Vê-se uma mãe cadavérica
Que já não pode falar,
Estreitando o filho ao peito
Sem o poder consolar
Lança-lhe um olhar materno
Soluça implora ao Eterno
Invoca da Virgem o nome
Ela débil triste e louca
Apenas beija-lhe a boca
E ambos morrem de fome.
Vê-se moças elegantes
Atravessarem as ruas
Umas com roupas em tira
Outras até quase nuas,
Passam tristes, envergonhadas
Da cruel fome, obrigadas
Em procura de socorros
Nas portas dos potentados,
Pedem chorando os criados
O que sobrou dos cachorros.
Aqueles campos que eram
Por flores alcatifados,
Hoje parecem sepulcros
Pelos dias de finados,
Os vales daqueles rios
Aqueles vastos sombrios
De frondosas trepadeiras,
Conserva a recordação
Da cratera de um vulcão
Ou onde havia fogueiras.
O gado urra com fome,
Berra o bezerro enjeitado
Tomba o carneiro por terra
Pela fome fulminado,
O bode procura em vão
Só acha pedras no chão
Põe-se depois a berra,
A cabra em lástima completa
O cabrito inda penetra
Procurando o que mamar.
Grandes cavalos de selas
De muito grande valor
Quando passam na fazenda
Provocam pena ao senhor
Como é diferente agora
Aquele animal de que outr’ora
Causava admiração,
Era russo hoje está preto
Parecendo um esqueleto
Carcomido pelo chão.
Hoje nem os pássaros cantam
Nas horas do arrebol
O juriti não suspira
Depois que se põe o sol
Tudo ali hoje é tristeza
A própria cobra se pesa
De tantos que ali padecem
Os camaradas antigos
Passaem pelos seus amigos
Fingem que não os conhecem.
Santo Deus! Quantas misérias
Contaminam nossa terra!
No Brasil ataca a seca
Na Europa assola a guerra
A Europa ainda diz
O governo do país
Trabalha para o nosso bem
O nosso em vez de nos dar
Manda logo nos tomar
O pouco que ainda se tem.
Vê-se nove, dez, num grupo
Fazendo súplicas ao Eterno
Crianças pedindo a Deus
Senhor! Mandai-nos inverno,
Vem, oh! grande natureza
Examinar a fraqueza
Da frágil humanidade
A natureza a sorrir
Vê-la sem vida a cair
Responde: o tempo é debalde.
Mas tudo ali é debalde
O inverno é soberano
O tempo passa sorrindo
Por sobre o cadáver humano
Nem uma nuvem aparece
Alteia o dia o sol cresce
Deixando a terra abrasada
E tudo a fome morrendo
Amargos prantos descendo
Como uma grande enxurrada.
Os habitantes procuram
O governo federal
Implorando que os socrra
Naquele terrível mal
A criança estira a mão
Diz senhor tem compaixão
E ele nem dar-lhe ouvido
É tanto a sua fraqueza
Que morrendo de surpresa
Não pode dar um gemido.
Alguém no Rio de Janeiro
Deu dinheiro e remeteu
Porém não sei o que houve
Que cá não apareceu
O dinheiro é tão sabido
Que quis ficar escondido
Nos cofres dos potentados
Ignora-se esse meio
Eu penso que ele achou feio
Os bolsos dos flagelados.
O governo federal
Querendo remia o Norte
Porém cresceu o imposto
Foi mesmo que dar-lhe a morte
Um mete o facão e rola-o
O Estado aqui esfola-o
Vai tudo dessa maneira
O município acha os troços
Ajunta o resto dos ossos
Manda vendê-los na feira

Anexos:

Respostas

respondido por: catiaoliveiratk2
1

Resposta:Mais Cordéis

A seca do Ceará

Leandro Gomes de Barros

Seca as terras as folhas caem,

Morre o gado sai o povo,

O vento varre a campina,

Rebenta a seca de novo;

Cinco, seis mil emigrantes

Flagelados retirantes

Vagam mendigando o pão,

Acabam-se os animais

Ficando limpo os currais

Onde houve a criação.

Não se vê uma folha verde

Em todo aquele sertão

Não há um ente d’aqueles

Que mostre satisfação

Os touros que nas fazendas

Entravam em lutas tremendas,

Hoje nem vão mais o campo

É um sítio de amarguras

Nem mais nas noites escuras

Lampeja um só pirilampo.

Aqueles bandos de rolas

Que arrulavam saudosas

Gemem hoje coitadinhas

Mal satisfeitas, queixosas,

Aqueles lindos tetéus

Com penas da cor dos céus.

Onde algum hoje estiver,

Está triste mudo e sombrio

Não passeia mais no rio,

Não solta um canto sequer.

Tudo ali surdo aos gemidos

Visa o aspectro da morte

Como a nauta em mar estranho

Sem direção e sem Norte

Procura a vida e não vê,

Apenas ouve gemer

O filho ultimando a vida

Vai com seu pranto o banhar

Vendo esposa soluçar

Uma adeus por despedida.

Foi a fome negra e crua

Nódoa preta da história

Que trouxe-lhe o ultimatum

De uma vida provisória

Foi o decreto terrível

Que a grande pena invisível

Com energia e ciência

Autorizou que a fome

Mandasse riscar meu nome

Do livro da existência.

E a fome obedecendo

A sentença foi cumprida

Descarregando lhe o gládio

Tirou-lhe de um golpe a vida

Não olhou o seu estado

Deixando desemparado

Ao pé de si um filinho,

Dizendo já existisses

Porque da terra saísses

Volta ao mesmo caminho.

Vê-se uma mãe cadavérica

Que já não pode falar,

Estreitando o filho ao peito

Sem o poder consolar

Lança-lhe um olhar materno

Soluça implora ao Eterno

Invoca da Virgem o nome

Ela débil triste e louca

Apenas beija-lhe a boca

E ambos morrem de fome.

Vê-se moças elegantes

Atravessarem as ruas

Umas com roupas em tira

Outras até quase nuas,

Passam tristes, envergonhadas

Da cruel fome, obrigadas

Em procura de socorros

Nas portas dos potentados,

Pedem chorando os criados

O que sobrou dos cachorros.

Aqueles campos que eram

Por flores alcatifados,

Hoje parecem sepulcros

Pelos dias de finados,

Os vales daqueles rios

Aqueles vastos sombrios

De frondosas trepadeiras,

Conserva a recordação

Da cratera de um vulcão

Ou onde havia fogueiras.

O gado urra com fome,

Berra o bezerro enjeitado

Tomba o carneiro por terra

Pela fome fulminado,

O bode procura em vão

Só acha pedras no chão

Põe-se depois a berra,

A cabra em lástima completa

O cabrito inda penetra

Procurando o que mamar.

Grandes cavalos de selas

De muito grande valor

Quando passam na fazenda

Provocam pena ao senhor

Como é diferente agora

Aquele animal de que outr’ora

Causava admiração,

Era russo hoje está preto

Parecendo um esqueleto

Carcomido pelo chão.

Hoje nem os pássaros cantam

Nas horas do arrebol

O juriti não suspira

Depois que se põe o sol

Tudo ali hoje é tristeza

A própria cobra se pesa

De tantos que ali padecem

Os camaradas antigos

Passaem pelos seus amigos

Fingem que não os conhecem.

Santo Deus! Quantas misérias

Contaminam nossa terra!

No Brasil ataca a seca

Na Europa assola a guerra

A Europa ainda diz

O governo do país

Trabalha para o nosso bem

O nosso em vez de nos dar

Manda logo nos tomar

O pouco que ainda se tem.

Vê-se nove, dez, num grupo

Fazendo súplicas ao Eterno

Crianças pedindo a Deus

Senhor! Mandai-nos inverno,

Vem, oh! grande natureza

Examinar a fraqueza

Da frágil humanidade

A natureza a sorrir

Vê-la sem vida a cair

Responde: o tempo é debalde.

Mas tudo ali é debalde

O inverno é soberano

O tempo passa sorrindo

Por sobre o cadáver humano

Nem uma nuvem aparece

Alteia o dia o sol cresce

Deixando a terra abrasada

E tudo a fome morrendo

Amargos prantos descendo

Como uma grande enxurrada.

Os habitantes procuram

O governo federal

Implorando que os socrra

Naquele terrível mal

A criança estira a mão

Diz senhor tem compaixão

E ele nem dar-lhe ouvido

É tanto a sua fraqueza

Que morrendo de surpresa

Não pode dar um gemido.

Alguém no Rio de Janeiro

Deu dinheiro e remeteu

Porém não sei o que houve

Que cá não apareceu

O dinheiro é tão sabido

Que quis ficar escondido

Nos cofres dos potentados

Ignora-se esse meio

Eu penso que ele achou feio

Os bolsos dos flagelados.

O governo federal

Querendo remia o Norte

Porém cresceu o imposto

Foi mesmo que dar-lhe a morte

Um mete o facão e rola-o

O Estado aqui esfola-o

Vai tudo dessa maneira

O município acha os troços

Ajunta o resto dos ossos

Manda vendê-los na feira

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