Respostas
Resposta:
Sintoma social
A palavra depressão tem sido usada para identificar formas variadas de mal-estar no mundo contemporâneo. Se nos séculos anteriores, especialmente a partir da Idade Média, a melancolia denunciava o desacordo do sujeito com a sua época e cultura, hoje, segundo especialistas, esse lugar é ocupado pela depressão, tornando-a um sintoma social.
Explicação:
Podemos pensar que o aumento [de casos] das depressões denuncia alguns impasses do sujeito contemporâneo; entre eles, a aceleração da experiência com o tempo e o imperativo do gozo e da felicidade que, ao contrário do que parece, esvaziam a busca de um sentido [construído pelo sujeito] para a vida", afirma Maria Rita Kehl, doutora em psicanálise pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e vencedora do Prêmio Jabuti com o livro “O Tempo e o Cão” (ed. Boitempo, 2010), no qual analisa a atualidade das depressões.
Kehl sugere que as condições de trabalho e as demandas impostas pelo capitalismo nos dias de hoje, com sua ênfase no consumo e no máximo aproveitamento do tempo, favorecem o aumento das depressões. "Tempo não é dinheiro. É tudo o que temos, e cabe a cada um de nós dispor do tempo de maneiras que produzam valor, sentido e prazer, mas não só prazer, para nossas vidas", explica.
Um caso que serve de exemplo para a análise de Kehl é o da tradutora Pollyana Braga, 34, que faz tratamento para depressão com uma psicóloga e uma psiquiatra. "Eu me sinto muito pressionada em relação ao tempo em que estou e ao tempo que o mundo anda. Mesmo antes da crise depressiva, sempre tive uma dificuldade grande com o tempo de resposta das coisas da maneira que as pessoas exigem, porque sempre quero pensar muito bem antes de responder. Só que descobri no tratamento que faltava muito para conhecer sobre mim antes de ter a resposta de certas coisas", afirma Braga.
Os depressivos estariam – não intencionalmente, claro – dando as más notícias de um mundo atual centrado em ideais de um bem-estar baseado na produtividade, no consumismo, na urgência, na privação do sono e que não admite a existência do sofrimento inerente à vida humana. Assim como Kehl, o historiador e escritor Matheus Schumaker também vê esse quadro ligado ao fato do século 20 ser marcado por uma aceleração drástica do tempo relativo. Isso ocorre, segundo ele, por causa do desenvolvimento científico, tecnológico, da informatização e da integração mundial. "A capacidade de percepção do tempo vivido pelo indivíduo se comprime, exigindo uma rápida resposta e interpretação do mundo e dos seus questionamentos. Ou seja, o mundo se tornou mais veloz, as coisas acontecem mais rapidamente e isso exige cada vez mais reflexão do indivíduo para compreender não só a si mesmo, mas como também o espaço em que vive", afirma Schumaker, coautor, junto com o psiquiatra Táki Cordás, do livro “História da Melancolia” (ed. Artmed, 2017).
A depressão ataca a relação do sujeito com o futuro e deixa expostos os descompassos com o tempo da sociedade. Não à toa, o imaginário popular da doença remete a uma pessoa que dificilmente consegue sair da cama e participar ativamente do próprio dia a dia. "O depressivo geralmente se instala em uma lentidão, quando não em uma paralisia, que o impede de compartilhar quase todas as atividades da vida com seus pares. Se por um lado esse sintoma pode ser entendido como uma denúncia, por outro lado a reação do depressivo é passiva e não produz nada, a não ser sofrimento", explica Kehl.