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A sátira menipéia é um gênero literário surgido ainda na Roma antiga, com autores como Luciano de Samósata (125-181). Alguns dos traços fundamentais da sátira menipéia são: o humor, a presença de mortos que se dirigem aos vivos, o tom filosofante e mudanças constantes de tom narrativo.
Levando em conta essa caracterização, Incidente em Antares pode ser inserido nessa tradição, já que há o registro cômico no comportamento e na conduta dos habitantes de Antares. Os mortos fazem a crítica dos costumes locais, certos momentos de fala sentenciosa, de efeito moralizante, e, por fim, ocorre a mudança de tom narrativo, do romance de fundo histórico para o realismo fantástico, entre a primeira e a segunda parte do livro, respectivamente.
A primeira parte do livro reconstitui a evolução social gaúcha nos moldes do romance histórico tradicional, os fatos verídicos servem de fundo para a ação ficcional. No caso do Incidente, a referência fundamental é a história brasileira e sua repercussão local. Ganha destaque a figura de Tibério Vacariano, que possui uma singular capacidade de antecipação das ações que envolvem personagens da política nacional.
A segunda parte envereda pelo realismo fantástico ao relatar o estranho episódio dos mortos que, indignados com sua condição de insepultos, vingam-se apontando os males da sociedade local. O choque entre o realismo da primeira parte e a fantasia da segunda é apenas aparente. Na verdade, há um estreito laço entre eles, a sugerir que a história possui lances tão inacreditáveis quanto o relato mais absurdo.
As personagens são mortos-vivos da sociedade brasileira, simbolizando tanto os vivos que se fingem de mortos diante dos fatos inacreditáveis que presenciam, como o golpe civil-militar de 1964, quanto os mortos e enterrados que, no entanto, continuam a agir e a mandar, como a ação dos líderes locais, de um autoritarismo que se mostra incompatível com as conquistas da liberdade humana.
As personagens são caracterizadas como tipos sociais para melhor realçar seu efeito simbólico. Assim, temos, por exemplo, a manifestação da valentia gaúcha nas falas do coronel Vacariano: “Palavra de honra, se esse moço [Carlos Lacerda, jornalista carioca, opositor de Vargas] tivesse dito na imprensa sobre a minha pessoa a metade do que disse sobre o Getúlio, eu tomava um avião, ia ao Rio e metia-lhe um balaço em cada olho, palavra”. Não falta sequer a nota cômica no perfil de algumas personagens, como o da telefonista Shirley Terezinha: “trinta e cinco anos, solteirona, católica praticante, fã de Frank Sinatra, de novelas de rádio, e leitora de Grande Hotel”.
Como espaço da ação, a cidade de Antares tem efeito metonímico: trata-se da América Latina, com seu sistema político colonizado e corrupto; do Brasil, que acrescenta a esse sistema o dado ditatorial; e, por fim, do Rio Grande do Sul, que contribui com personagens e ideologia fundamentados em uma tradição local coronelista, patriarcalista e machista.
O que os mortos denunciam na praça pública – espaço democrático por excelência – é resultado daquele sistema político colonizado e corrupto, que permite os outros desvios, fazendo com que a metonímia retorne ao seu ponto de partida e complete a alegoria.
Espero ter ajudado!!!!