Texto 2 – O lado obscuro do ‘milagre econômico’ da ditadura: o boom da
desigualdade
Mesmo com o forte crescimento e criação de empregos no período militar,
os salários foram achatados e a distância entre ricos e pobres cresceu
O Brasil polarizado tem reproduzido uma frase que estava na boca de alguns
saudosistas de tempos em que notícias sobre violência e economia em mar-
cha lenta pareciam raras. “Na época dos militares era melhor”, tornou-se
bordão de quem viveu aqueles anos, e ignora a repressão e a presença de
censores nos jornais da época para filtrar notícias negativas à ditadura. A
ideia ressurgiu inclusive entre jovens que se anunciam eleitores do pré-can-
didato à presidência Jair Bolsonaro, por acreditar que no tempo do regime
militar o Brasil era mais alentador do que os dias atuais. Bolsonaro alimenta
essa ideia tecendo elogios ao período. Entre os argumentos mais utilizados
pelo candidato e pelos defensores da intervenção para mostrar a eficácia
do regime está a conquista do “milagre econômico”, que ocorreu no Brasil
entre 1968 e 1973. De fato, nesta época, o país conseguiu crescer exponen-
cialmente, cerca de 10% ao ano, e atingiu, em 1973, uma marca recorde do
Produto Interno Bruto (PIB), que aumentou 14%. O avanço veio acompanha-
do também de uma forte queda de inflação. A taxa, medida na época pelo
Índice Geral de Preço (IGP), caiu de 25,5% para 15,6% no período.
O que não se explica diante desse número, entretanto, é o fato de o cresci-
mento ter sido muito bom para empresários, e ruim para os trabalhadores.
Para que o plano de crescimento funcionasse, os militares resolveram con-
ter os salários, mudando a fórmula que previa o reajuste da remuneração
pela inflação, o que levou a perdas reais para os trabalhadores. A adoção
de uma medida tão impopular só foi possível através do aparato repressivo
do regime sobre os sindicatos, que diminui o poder dos movimentos e de
negociação dos operários. Os militares também interferiram em diversos
sindicatos, muitas vezes substituindo seus dirigentes. “Foi um crescimento
às custas dos trabalhadores”, explica Vinicius Müller, professor de história
econômica do Insper. O arrocho salarial acabou aliviando os custos dos em-
presários e permitiu reduzir a inflação.
A melhora na atividade econômica se explicava, à época, por uma combi-
nação de fatores. Uma conjuntura mundial mais favorável naqueles anos
permitiu crédito externo farto e barato, por exemplo. O Brasil, por sua vez,
criou regras que facilitaram a entrada de capital estrangeiro e investiu num
programa de desenvolvimento do parque industrial além de reformas estru-
turais. O crescimento foi acompanhado pela abertura de novos postos de
emprego no mercado formal e da expansão do consumo interno. Economis-
tas ouvidos pelo EL PAÍS explicam que o milagre aconteceu principalmente
regado a dinheiro internacional que aterrissou através da entrada de multi-
nacionais que encontraram no Brasil um terreno propício para a expansão
sob a tutela dos militares, e também por empréstimos advindos de fundos
internacionais. Era um ambiente oposto ao do período anterior ao golpe de
1964, quando a grande convulsão política, em plena guerra fria, no país
tornava o ambiente econômico incerto e afugentava o investidor.
2. Qual a grande contradição do milagre econômico apontada no Texto 02 – “O lado obscuro do ‘milagre econômico’ da ditadura: o boom da desigualdade”?
Respostas
Resposta:Como a distribuição dos resultados do crescimento econômico foi bastante desigual, a concentração de renda também aumentou muito no período, especialmente entre a população que possuía um grau maior de instrução. Isso fez com que a desigualdade social conhecesse níveis nunca vistos antes. Em 1960, antes da ditadura, o índice de Gini, utilizado para medir a concentração de renda estava em 0,54 (o coeficiente de Gini vai de 0 a 1, quanto mais perto de 1, mais desigual) e pulou para 0,63 em 1977. Os economistas foram unânimes em dizer que os empresários e a classe média que possuía maior nível de instrução foram beneficiados em detrimento da parte mais pobre da população. Além disso, como o governo militar fez uma escolha de investir maciçamente na industrialização, inclusive do campo, muitas pessoas decidiram abandonar o sertão com o sonho de tentar uma vida melhor na cidade, incentivando um êxodo rural sem planejamento e nunca revertido. Segundo o IBGE apenas 16% da população morava no interior do país em 2010.“Com a crise internacional de 1973, temos uma quebra deste modelo econômico baseado no alto endividamento externo e, com isso, a economia vai perdendo força”, afirma o historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Como a estabilidade econômica era um argumento essencial para a manutenção do governo militar, os economistas que faziam parte do regime optaram por não abrir mão do modelo e decidiram que o país deveria continuar crescendo a qualquer custo, mesmo que continuasse se endividando cada vez mais.
Explicação: Mas a conta do crescimento desenfreado baseado em um alto grau de endividamento ficou para a redemocratização. Ao deixarem o poder em 1984, a dívida representava 54% do PIB segundo o Banco Central, quase quatro vezes maior do que na época que eles tomaram o poder em 1964, quando o valor da dívida era de 15,7% do PIB. A inflação, por sua vez, chegou a 223%, em 1985. Quatro anos depois, o país ainda não tinha conseguido se recuperar e ostentava um índice de inflação de 1782%. No jargão econômico, costuma-se dizer que os militares deixaram uma “herança maldita”.
“Embora o regime tenha aparelhado muito bem grande parte do nosso parque industrial, melhorado em aspectos técnicos e tecnológicos a infraestrutura, quando veio a conta, a conta veio muito alta”, explica Guilherme Grandi, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA/USP)”