• Matéria: Português
  • Autor: antonymusss
  • Perguntado 3 anos atrás

Pertencer


Um amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente o ambiente, a criança quer: nela o ser humano, no berço mesmo, já começou. 

Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça. 

Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus. 

Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso. Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro. 

Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos -- e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos. 

Pertencer não vem apenas de ser franca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força -- eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa. Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e, no entanto, premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas nascida. 

No entanto, fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram por eu ter nascido em vão e tê-los traído na grande esperança. 

Mas eu, eu não me perdoo. Quereria que simplesmente se tivesse feito um milagre: eu nascer e curar minha mãe. Então, sim, eu teria pertencido a meu pai e a minha mãe. Eu nem podia confiar a alguém essa espécie de solidão de não pertencer porque, como deseertor, eu tinha o segredo da fuga que por vergonha não podia ser conhecido. 

A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego o último gole de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho! 

ATIVIDADES – Sobre o conto PERTENCER responda as questões abaixo:1. Por qual motivo a narradora não se sente pertencente a um grupo?




2. Por não se sentir pertencente a um grupo, a narradora descreve que perdeu o jeito 

de "ser gente". Como você acha que é o sentimento de não pertencimento? Por quê?




3.Você se sente pertencente a um grupo? Explique.




4.Que emoções você identifica quando se sente excluído ou de fora de algum 

grupo ou situação? Como lida com elas?




5.Ao ver um colega ou familiar excluído de um grupo, que atitudes você toma 

para acolhê-lo?

Respostas

respondido por: placentiliana
4

Resposta:

1.

Ela carrega uma culpa desde que se entendeu por gente: a de não salvar sua própria mãe. O tempo foi passando e foi acumulando isso nos seus relacionamentos.

2.

Ela precisa de um psicólogo para fazer com que entenda tudo e consiga levar uma vida normal. Caso contrário, nunca viverá plenamente, principalmente em grupo.

3.

Sim. Faço parte de vários grupos. De amigos da escola, da família, de viagem, etc.

4.

Ainda não aconteceu, mas se acontecesse, iria refletir e entender o por quê de ser excluído.

5.

Eu chamo e pergunto sobre o ocorrido com ele. Conforme for tratado e se foi retirado injustamente, irei acolhê-lo e conversar com meu grupo, principalmente se for de estudo, para que fique conosco.

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