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A princípio, quando a moça disse que sentia angústia, o rapaz se surpreendeu tanto que corou e mudou rapidamente de assunto para disfarçar o aceleramento do coração.
Mas há muito tempo – desde que era jovem – ele passara afoitamente do simplismo infantil de falar dos acontecimentos em termos de “coincidência”. Ou melhor – evoluindo muito e não acreditando nunca mais – ele considerava a expressão “coincidência” um novo truque de palavras e um renovado ludibrio.
Assim, engolida emocionalmente a alegria involuntária que a verdadeiramente espantosa coincidência dela também sentir angústia lhe provocara – ele se viu falando com ela na própria angústia, e logo com uma moça! ele que de coração de mulher só recebera o beijo de mãe.
Viu-se conversando com ela, escondendo com secura o maravilhamento de enfim poder falar sobre coisas que realmente importavam; e logo com uma moça! Conversavam também sobre livros, mal podiam esconder a urgência que tinham de pôr em dia tudo em que nunca antes haviam falado. Mesmo assim, jamais certas palavras eram pronunciadas entre ambos. Desta vez não porque a expressão fosse mais uma armadilha de que os outros dispõem para enganar os moços. Mas por vergonha. Porque nem tudo ele teria coragem de dizer, mesmo que ela, por sentir angústia, fosse pessoa de confiança. Nem em missão ele falaria jamais, embora essa expressão tão perfeita, que ele por assim dizer criara, lhe ardesse na boca, ansiosa por ser dita.
Naturalmente, o fato dela também sofrer simplificara o modo de se tratar uma moça, conferindo-lhe um caráter masculino. Ele passou a tratá-la como camarada.
Ela mesma também passou a ostentar com modéstia aureolada a própria angústia [...]. Híbridos – ainda sem terem escolhido um modo pessoal de andar, e sem terem ainda uma caligrafia definitiva, cada dia a copiarem os pontos de aula com letra diferente – híbridos eles se procuravam, mal disfarçando a gravidade. Uma vez ou outra, ele ainda sentia aquela incrédula aceitação de coincidência: ele tão original ter encontrado alguém que falava sua língua! Aos poucos compactuaram. Bastava ela dizer, como numa senha, “passei ontem uma tarde ruim”, e ele sabia com austeridade que ela sofria como ele sofria. Havia tristeza, orgulho e audácia entre ambos.
Até que também a palavra angústia foi secando, mostrando como a linguagem falada mentia.
(Eles queriam um dia escrever.) A palavra angústia passou a tomar aquele tom que os outros usavam, e passou a ser um motivo de leve hostilidade entre ambos. Quando ele sofria, achava uma gafe ela falar em angústia. “Eu já superei essa palavra”, ele sempre superava tudo antes dela, só depois é que a moça o alcançava.
E aos poucos ela se cansou de ser aos olhos dele a única mulher angustiada. Apesar disso lhe conferir um caráter intelectual, ela também era alerta a essa espécie de equívocos. Pois ambos queriam, acima de tudo, ser autênticos. [...]