Questão de leitura interpretativa:
Leia a seguinte crônica, de Mia Couto, sobre a Língua Portuguesa:
Venho brincar aqui no Português, a língua. Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós mesmos, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique. Que outros pretendam cavalgar o assunto para fins de cadeira e poleiro pouco me acarreta. A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o voo. Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nelas quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem, é idimensões? Assim, embarco nesse gozo de ver como a escrita e o mundo mutuamente se desobedecem.
No enquanto, defendemos o direito de não saber, o gosto de saborear ignorâncias. Entretanto, vamos criando uma língua apta para o futuro, veloz como a palmeira, que dança todas as brisas sem deslocar seu chão. Língua artesanal, plástica, fugidia a gramáticas. Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro?
Se pode dizer de uma careca que tenha couro cabeludo? A diferença entre um ás no volante ou um asno volante é apenas de ordem fonética? O mato desconhecido é que é o anonimato? O pequeno viaduto é um abreviaduto? Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente? Se diz o brado de que não dispõe de vértebras: o invertebrado? O elefante que nunca viu o mar, sempre vivendo no rio: devia ter marfim ou riofim? Onde se esgotou a água se deve dizer: "aquabou"? Não tendo sucedido em Maio mas em Março o que ele teve ou um desmaio ou um desmarço?
Brincadeiras, brincarrões. E é coisa que não se termina.
COUTO, M. Perguntas à Língua Portuguesa. Disponível em Acesso em março de 2020.
Por meio da leitura da crônica é possível perceber que Mia Couto nos revela:
A)
Uma visão histórica da língua, constituída por meio da Gramátia Tradicional.
B)
Uma visão sobre infantil da língua, já que a crônica é sobre brincadeiras.
C)
Uma visão que enxerga a língua como pautada na normatividade, ou seja, a língua é o que dita a norma padrão.
D)
Uma visão que enxerga a vivacidade da língua, que está em contante mudança.
E)
Uma visão que enxerga a língua como algo estático, um núcleo duro.
Respostas
Mia Couto nos revela uma visão que enxerga a vivacidade da língua, que está em constante mudança. (letra D)
Por que a letra D está correta?
Pois o escritor brinca com as palavras do inicio ao fim do texto, utilizando-se de figuras de linguagem a todo momento para desconstruir a ideia de que a língua precisa ser estática, presa às regras impostas pela norma culta.
Exemplos no texto:
- "A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o voo."
- "Língua artesanal, plástica, fugidia a gramáticas. Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas."
Aqui também se vê o uso da figura de linguagem chamada sinestesia. Primeiramente, o que é a sinestesia?
Uma figura de linguagem associada às percepções relacionadas aos sentidos: tato, audição, olfato, paladar e visão. Estabelece uma relação entre planos sensoriais diferentes. Muito usada em textos poéticos e musicais. Ou seja, quando o autor diz:
- “A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o voo.”
Aqui ele brinca ao dizer que a língua está perdendo sua função. Mas a língua entendida como língua portuguesa? Da norma culta? Ou a língua como órgão do corpo humano? Que faz parte do paladar? Que é utilizada para romances? Para beijar e acariciar? Há esse jogo de palavras; também fala em simples gosto da palavra, como se a palavra em si pudesse ser algo a ser saboreada; logo após faz uma comparação com o fato de algum animal alçar voo e possuir a mesma sensação ao começar a bater a asas e voar.
No penúltimo parágrafo, Mia Couto brinca com o ouvido e os olhos do leitor, pelo fato de escrever palavras que têm sílabas parecidas, mas são completamente diferentes em sentido e som. Consequentemente há um jogo entre as formas como se lê e se entende algo, podendo fazer com que o leitor volte ao começo do parágrafo para compreender melhor o que foi dito.
Saiba mais sobre Mia Couto em: https://brainly.com.br/tarefa/49945474
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