• Matéria: Sociologia
  • Autor: romarcelo150
  • Perguntado 2 anos atrás

QUAL A IMPORTÂNCIA DE
ESTUDARMOS AS INFLUÊNCIAS
LINGUÍSTICAS,
HISTÓRICAS E
CULTURAIS DAS POPULAÇÕES
AFRICANAS CUJOS SUJEITOS
FORAM ENVIADOS COMO
ESCRAVIZADOS PARA O BRASIL?

Respostas

respondido por: angel17864
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Resposta:

Línguas africanas influenciaram o português falado no Brasil, sobretudo no que diz respeito à linguagem popular brasileira, como apontam alguns estudos. Retomando e resgatando a história do país, é possível começar a mergulhar no tema.

Entre os séculos XVI e XIX, mais de quatro milhões de africanos originários de duas regiões da África subsaariana – banto e oeste-africana (também chamada “sudanesa”) – foram trazidos ao Brasil em cativeiro por meio do tráfico transatlântico. Em 1823, o censo apontava 75% de negros e mestiços no total da população brasileira.

Para se ter uma ideia, só a região banto compreende um grupo de 300 línguas muito semelhantes – faladas em 21 países, como Moçambique, Angola e África do Sul –, sendo o quicongo, o quimbundo e o umbundo os de maior número de falantes no Brasil. Os dados são apresentados no artigo A influência de línguas africanas no Português brasileiro, da pesquisadora baiana Yeda Pessoa de Castro, etnolinguista e especialista em línguas africanas.

Ainda segundo a autora, entre as línguas oeste-africanas, cujos principais representantes no Brasil foram as línguas da família kwa, destacaram-se no país os iorubás e os povos de línguas do grupo ewe-fon (apelidados de minas ou jejes, pelo tráfico).

“Se as vozes dos quatro milhões de negro-africanos que foram trasladados para o Brasil ao longo de mais de três séculos consecutivos não tivessem sido abafadas em nossa história, por descaso ou preconceito acadêmico, hoje saberíamos que eles, apesar de escravizados, não ficaram mudos, falavam línguas articuladamente humanas e participaram da configuração do português brasileiro não somente com palavras que foram ditas a esmo e ‘aceitas como empréstimos pelo português’, na concepção vigente, mas também nas diferenças que afastaram o português do Brasil do de Portugal”, afirma a etnolinguista em Marcas de africania no Português brasileiro.

Apenas no século XX as línguas africanas passaram a ser mais estudadas no Brasil. Segundo Maria Eugênia Lammoglia Duarte, professora titular de Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apenas a partir de 1970, os estudos de Linguística começaram a dar mais atenção ao Português falado no Brasil. “Antes, a Gramática era focada no Português europeu. A influência de línguas africanas era ignorada. Estudava-se só o vocabulário e, no máximo, a pronúncia dos africanos. Mas como eles não iriam deixar suas marcas linguísticas?”, questiona a docente, comentando, em tom de crítica, que um filólogo famoso chegou a dizer que os africanos deixaram “cicatrizes” no Português do Brasil.

“Essa demora se deveu a uma ideologia conservadora que predominava nos meios intelectuais da Filologia e da Linguística até meados do século passado, que via uma superioridade cultural e linguística do colonizador português. Qualquer influência de línguas africanas ou indígenas era vista como deturpação da Língua Portuguesa, de forma negativa”, diz Dante Luchesi, professor titular de Língua Portuguesa da Universidade Federal Fluminense, doutor em Linguística e autor do livro Língua e Sociedade Partidas: a polarização e sociolinguística do Brasil (2015), pelo qual recebeu, em 2016, o prêmio Jabuti, importante premiação da literatura no país.

De acordo com Luchesi, até o final do século XVII, o Brasil era um mosaico de línguas, línguas gerais indígenas e línguas francas africanas. No entanto, a história linguística do Brasil se caracterizou por um processo de homogeneização. “A primeira Gramática de quimbundo no mundo foi escrita em 1694, na Bahia, e publicada em 1697, em Lisboa. Boa parte da população escrava da Bahia era falante de quimbundo. Mas, sobretudo com o ciclo do ouro, o Português se impôs como língua hegemônica no Brasil. Escravos africanos eram misturados pelos senhores, desde o tráfico, para que não se comunicassem em suas próprias línguas. O segmento dominado era obrigado a aprender o Português”, conta.

Assim, a Língua Portuguesa acabou tornando-se a língua materna de afrodescendentes e indiodescendentes. “Até o século XIX, dois terços da população do Brasil não era falante nativa ou filha de falantes nativos portugueses. As crianças aprendiam o Português a partir da variedade falada pelos adultos, em um processo de transmissão linguística irregular. Aprendiam sem ouvir pessoas adultas falando suas próprias línguas maternas, e sim a segunda língua, defectiva. Isso levou a um processo de simplificação morfológica, que caracteriza nossa linguagem popular atual no nível da morfossintaxe”, explica Luchesi.

Exemplos da influência de línguas africanas no Português do Brasil

O professor da UFF afirma que esse contexto pode explicar uma série de fenômenos que caracterizam as variedades populares do português falado no Brasil na atualidade, como a ampla variação na aplicação das regras de concordância nominal e verbal, o emprego de pronomes sem flexão de caso (como em “eu vi tu na feira ontem”), o reduzido uso do pronome reflexivo (“eu machuquei no trabalho ontem”).

Luchesi pontua que os estudos científicos avançaram mais na área da morfossintaxe, que diz respeito a regras de concordância e à combinação das palavras, flexão e forma. “Nesse nível é mais fácil identificar as mudanças que, geralmente, acontecem no contato massivo entre línguas. No nível fonológico, referente aos sons, é mais difícil de estabelecer a relação histórica do contato entre línguas. Diria que características da linguagem popular, como se dizer ‘muié’ em vez de ‘mulher’, ‘fulô’ em vez de ‘flor’ podem estar associadas.”

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