Respostas
A relação entre o Tempo e a História é tema inesgotável, com questões, problemas e propostas analíticas, campo de conflito insolúvel entre filósofos e historiadores, que pode ser explorada sob múltiplos aspectos, cada uma delas aparentemente encerrada em si mesma, e na prática inter-relacionada com todas as outras (1).
Diversamente da percepção, hoje consensual entre os historiadores, de que o tempo da história é diferente do tempo da ciência – o conceito de tempo dos historiadores não é o utilizado pelas outras ciências, o confronto entre a reflexão em abstrato e o manejo empírico do 'corpus documental' é questão ainda sem conclusão, parte integrante das reflexões filosóficas e das historiográficas, que se colocam em termos divergentes e opostos, mas que podem e devem ser complementados (2).
Para historiadores, tempo é tanto o elemento de articulação da/na narrativa historiográfica como é vivência civilizacional e pessoal. Para cada civilização e cultura, há uma noção de tempo, cíclico ou linear, presentificado ou projetado para o futuro, estático ou dinâmico, lento ou acelerado, forma de apreensão do real e do relacionamento do indivíduo com o conjunto de seus semelhantes, ponto de partida para a compreensão da relação Homem – Natureza e Homem – Sociedade na perspectiva ocidental (3).
Tempo é palavra de muitos significados, e em alguns deles empregado como sinônimo de passado, ciclos, duração, eras, fases, momentos ou mesmo história, o que contribui para o obscurecimento das discussões teóricas dos historiadores sobre ele, e acaba confundindo o público leitor (4).
Da noção de tempo civilizacional derivaram filosofias, teorias, historiografias, com seus calendários, cronologias, periodizações por momentos, seleções de fatos marcantes – elementos mutáveis a cada leitura, a cada narrativa historiográfica, sempre datada, quer a de nacionais quer a de estrangeiros (5).
Historiadores convivem com as tensões inerentes ao tempo em que vivem e as formas de análise e compreensão, instrumentalmente dadas. Sabem que estão imersos no tempo, no seu tempo, e, simultaneamente devem trabalhar com ele, para os atos da profissão, no 'corpus documental' selecionado para pesquisar o tema, o assunto, o objeto de estudo em um dado momento: organizar, recortar, dividir, estruturar, analisar, compreender, explicar, generalizar, teorizar, sintetizar...
Do mito à História, do tempo cíclico ao linear progressivo, ao teleológico e ao devir, da causalidade primária seqüencial cronológica às temporalidades braudelianas (6); da passagem do tempo da natureza ao tempo social (7), do tempo do trabalho natural ao tempo do trabalho industrial (8), o tempo real como fronteira última (9) – todas estas transformações marcaram as relações dos homens com o passado, e atuam em seu presente tanto em seus atos como nas formas de percepção do passado.
Para os historiadores do contemporâneo, os seres humanos passaram do Tempo dominante da natureza ao Tempo dominado pelo homem e depois ao homem dominado pelo Tempo (10).
Depois que a História formalmente se estruturou como um campo de conhecimento, muitos dos historiadores do século XIX estavam preocupados com a ordenação cronológica dos fatos, que era uma das formas possíveis de organizar o conjunto documental, e que acabou sendo a dominante, pois quase sempre permitia a estruturação causal explicativa (11). Contudo, as transformações econômicas, políticas e culturais do século XX, principalmente as da segunda metade, romperam com os critérios europocêntricos que ainda eram dominantes e com as estruturações históricas uniformes e hierarquizadas, muitas vezes preconceituosas (12).
A História passou a ser diferenciada: de quem e para quem? Qual é o passado que cada Nação, cada Estado, cada grupo social deseja e valoriza? O passado deixou de ser único e unívoco, mesmo para uma mesma sociedade. Vencedores e vencidos nas lutas sociais, culturais, econômicas e políticas disputam os espaços da memória social, buscando encontrar o próprio significado (13).
A quebra da uniformidade histórica hierarquizada trouxe para historiadores, especialmente para os do campo da história da cultura, a riqueza diferenciada das culturas e civilizações, o respeito ao outro, ao diferente, ao divergente, o pluralismo cultural e o multiculturalismo. Talvez alguns problemas conceituais possam surgir do relativismo cultural mas, por enquanto, esse é dominante.