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Janeiro. Nem sempre a “Cidade Maravilhosa” foi o destino turístico e comercial mundialmente reconhecido por sua beleza. Antes das reformas promovidas por Pereira Passos, prefeito do Rio de Janeiro entre 1902 e 1906, o Rio de Janeiro era conhecido como “Porto Sujo” ou “Cidade da Morte”, um lugar evitado pelos viajantes. A falta de planejamento urbano e de infra-estrutura sanitária fizeram com que o Rio se tornasse foco de uma variedade de doenças como a febre amarela, varíola, sarampo, disenteria, difteria, tuberculose e até mesmo a peste bubônica. Com a onda de imigração europeia e a migração de escravos recém-libertos, a população crescia significativamente. De 1872 a 1890, a taxa de crescimento era de 95,8%; entre 1890 e 1906, a população aumentou em 56,3%. O caos na ocupação urbana favorecia a disseminação de doenças, tornando a cidade insalubre, e esse panorama se refletia na economia do país.
Uma reforma: impactos diversos
Por conta desse cenário, os governos federal e municipal deflagraram, cada qual, seu processo de reforma do Rio de Janeiro. A iniciativa municipal, coordenada pelo então prefeito Pereira Passos, ficou vulgarmente conhecida como “bota abaixo”. Com o objetivo de sanear o Rio de Janeiro, controlar a propagação de doenças e modernizar o tráfego e a comunicação entre as regiões da cidade, a Reforma Pereira Passos, como ficou conhecido o processo de modernização da cidade, consistiu na demolição de casas - particularmente os cortiços que se multiplicavam com a imigração.
Tida até hoje por muitos como uma iniciativa de modernização excludente, a Reforma Pereira Passos também costuma ser apontada como responsável pelo surgimento das primeiras favelas no Rio de Janeiro – uma vez que a população trabalhadora mais pobre, expulsa de suas casas no centro, foi obrigada a ir morar nos morros para permanecer relativamente próxima do trabalho. Segundo Luiz Guilherme Rivera de Castro, professor de arquitetura e urbanismo da Universidade Mackenzie, a Reforma Pereira Passos significou uma grande intervenção urbana e social, instituindo a separação de atividades urbanas e de classes sociais, criando um centro e uma imagem de cidade modernizada por meio da destruição de largos trechos urbanos e pelo deslocamento da população que ali vivia, em nome da higiene e do embelezamento urbano. “Não se trata de negar as necessidades de saúde pública ou de criação de ambientes urbanos aprazíveis. Mas, por outro lado, creio que não se pode louvar essas intervenções justificando os danos colaterais provocados como se fossem questões de menor importância”, afirma.
A mesma argumentação pode ser feita em relação às políticas de saúde pública de Rodrigues Alves, presidente do Brasil entre 1902 e 1906. Elas foram conduzidas pelo seu ministro da saúde, o médico sanitarista Osvaldo Cruz, e acabaram desencadeando a Revolta da Vacina, em 1904. Para ter uma ideia do impacto das reformas urbanas e da campanha de vacinação capitaneada por Osvaldo Cruz, em 1894, foram registrados quase cinco mil mortes por febre amarela. Em 1908, após as reformas, houve apenas quatro casos.
Ainda segundo Castro, o saldo da Reforma Pereira Passos foi positivo e negativo ao mesmo tempo: “a iniciativa realizou uma modernização necessária naquele momento, combatendo a insalubridade e realizando a adequação funcional e formal do centro da cidade, em particular da área portuária, mesmo que isso tenha ocorrido, principalmente, em função da necessidade de inserir o país no mercado internacional”, afirma. “Todo o processo era, também, a expressão de interesses e valores das oligarquias dominantes naquele período, que tinham a cidade de Paris como modelo. Nesse sentido, a Reforma pode ser interpretada como positiva, apesar de autoritária e conservadora, pois representava um esforço de modernização. Por outro lado, foi negativo o modo como foi implementada, de maneira incompleta e com a expulsão de parte da população do centro reformado, com efeitos nefastos e duradouros principalmente para a população mais pobre”, completa.
Um novo pensamento sobre a cidade
O historiador André Nunes de Azevedo, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), salienta as divergências entre os dois planos urbanísticos para o Rio de Janeiro do início do século 20: um promovido pelo presidente da República, Rodrigues Alves, outro pelo prefeito Pereira Passos. A reforma urbanística, posta em prática pelo governo federal, operou-se em função da modernização do Porto do Rio de Janeiro e tinha como valor máximo a ideia de progresso, de desenvolvimento material, técnico e econômico. Nesse sentido, era fundamental combater a insalubridade na cidade, ampliar e modernizar suas artérias e revigorar a zona portuária, tudo isso com finalidades claramente econômicas – atrair mão de obra estrangeira para atender à elite cafeeira e facilitar o escoamento da produção.