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  • Autor: juaan2
  • Perguntado 8 anos atrás

Crônica a casa da minha avó

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respondido por: Felipe3661
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DANUZA LEÃO

A casa da minha avó
Era um sobrado ; na parte de baixo, o armazém do meu avô, onde se vendia um pouco de tudo. Tecidos, renda, sianinha, botões, fumo de rolo, açúcar, feijão e grãos de um modo geral -não em pacotes mas em sacos grandes, que ficavam no chão. No andar de cima, onde morava a família, era a casa de minha avó -nunca do meu avô.
No armazém havia um balcão onde os mais chegados iam toda tarde conversar, com direito a um copinho de cachaça -um só. Meu avô, italiano, se vestia de terno, gravata e colete, e em casa se concedia o direito de tirar o paletó mas sempre de gravata e colete.
Em cima, dando para a praça, havia uma sala de visitas que só era aberta em ocasiões muito especiais -que nunca aconteciam-, com sofá, cadeiras estofadas e um piano. Mais para dentro uma grande sala de jantar onde todos almoçavam e jantavam à mesma hora -11h30 e 19h; em cada quarto, três ou quatro camas, e banheiro era um só, para os avós, 12 filhos e os netos que lá passavam grandes temporadas.
Minhas oito tias só tinham um objetivo na vida: arranjar um marido, e bastava que ele fosse um rapaz bom e trabalhador. Das oito, só uma trabalhava: era professora, e ia a cavalo, todos os dias, dar aulas. Foi a única que ficou solteira. As outras se casaram e para suas filhas só havia um objetivo na vida: casar, ter filhos. E assim corria a vida.
Nos fundos da casa, havia uma varanda virada para o rio; ao lado, a cozinha com uma janela de onde se tinha a vista mais bonita da casa; por essa janela a empregada jogava o lixo. A palavra ecologia ainda não existia e da varanda nós, crianças, ficávamos vendo as cascas de laranja e banana sendo levadas pela correnteza.
A grande aventura era dormir no chão duro. Os menores imploravam para ter o privilégio de dormir com um lençol em cima dos tacos e um travesseiro. Era essa a grande farra.
Uma vez por semana vinha um homem lavar o chão da casa; ele jogava baldes de água, passava sabão, depois enxaguava, tirava o excesso com um rodo e secava com um pano. Só a sala da frente era encerada e o brilho dado na mão, com uma flanela. Quando o trabalho estava pronto ficava um cheiro de casa de gente honesta, de gente direita. Onde foram parar esses cheiros?
As comidas eram de interior: galinha quase todo dia e, para dar uma corzinha ao refogado, colorau. Os legumes eram de roça: abobrinha, jiló, couve, repolho, chuchu. Às vezes uma tia perguntava: "Você quer um ovo frito?" Esse privilégio só acontecia às vezes e só para os netos que estavam de visita.
As sobremesas eram doce de banana em rodelas e de mamão verde. Esse meu lado da família (da minha mãe) não era muito de comer. Lá pelas 21h tinha um lanche modesto: café com leite, pão e manteiga; aos domingos havia biscoitos, e cada uma das crianças tinha o direito de fazer um do feitio que quisesse, que era sempre o mesmo: uma lagartixa e no lugar dos olhos, dois feijões.
Uma ou duas vezes por ano o rio subia sem violência, tranquilamente, e inundava a cidade; as pessoas saiam de casa de bote para fazer compras ou uma visita. Uma enchente era melhor do que qualquer coisa, e as pessoas tiravam retratos nos botes.
Havia muitas visitas a tias, avós e primas longínquas. Os laços familiares eram cultivados com cuidado, mas o melhor de tudo era quando as tias moravam do outro lado do rio, porque aí a gente atravessava a ponte o que era, sempre, uma emoção. E ainda havia a ponte de ferro por onde passava o trem, que era um perigo. O sonho de todos nós, crianças, era atravessar essa ponte pulando sobre os dormentes, e a minha falta de coragem para desobedecer e atravessar a ponte de ferro é uma frustração até hoje não superada. Outra: nunca ter tomado um banho no rio.
São belas as lembranças de quem passou parte da infância em uma cidade do interior com um rio e uma ponte -duas, aliás.
E melhor ainda é lembrar.

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