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Uma das características principais dos estudos etnográficos tem a ver com a presença prolongada do investigador nos contextos em estudo e o contacto directo com as pessoas, as situações, os acontecimentos. Trata-se de um método de investigação cujo principal instrumento é o próprio investigador. Como tal, torna-se crucial a sua entrada, aceitação e participação nos contextos, nos processos e nas vidas quotidianas dos sujeitos-actores que (com quem) estuda. Neste capítulo, apresento uma parte de um estudo etnográfico realizado num concelho rural do Norte de Portugal – Paredes de Coura – que culminou em 2003 com uma tese de doutoramento realizada na Universidade do Minho, intitulada “O Estudo do Local em Educação: dinâmicas socioeducativas em Paredes de Coura”, posteriormente publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian, em 2005.
Não sendo nunca possível estudar a realidade social como uma “totalidade”, desenvolvi o estudo a partir de dois focos de investigação, definidos com base em perspectivas teóricas que funcionaram como “lentes” para observar, descrever e interpretar as dinâmicas locais, mas também com base no conhecimento prévio que possuía daquele contexto, construído em diversos momentos e situações de imersão no terreno, ora com um carácter mais informal – visitas, conversações, participação em eventos, leituras de documentos, etc. – ora mais estruturado e intencional, pois desempenhava funções de formador e de consultor no Centro de Formação das Escolas de Paredes de Coura.
O principal critério que presidiu à definição dos dois focos de investigação foi a possibilidade de observar e analisar dinâmicas socioeducativas locais, nas dimensões escolar e não escolar. Pretendia, deste modo, identificar e compreender especificidades, interfaces e tensões, enfim, diferentes racionalidades que caracterizam o universo educativo. O primeiro foco de investigação correspondeu a um processo iniciado na década de 1980 que ficou conhecido como “Projecto OUSAM”, o qual foi designado pelos fundadores como um processo de “animação infantil e comunitária” e de “desenvolvimento comunitário”. O segundo correspondeu a um processo de “reordenamento da rede escolar”, iniciado na década de 1990, a partir de um projecto dinamizado, numa primeira fase, pelo Centro de Formação das Escolas de Paredes de Coura. No entanto, este capítulo apresenta uma parte do estudo correspondente, essencialmente, ao primeiro foco de investigação: o projecto OUSAM.
Este estudo etnográfico é apresentado a título de exemplo, podendo ser útil para quem pretende realizar investigação social e educacional, pois apresenta as opções e os procedimentos metodológicos utilizados para a recolha, análise e interpretação dos dados, assim como uma reflexão sobre as potencialidades da investigação etnográfica no campo da animação sociocultural. A animação sociocultural é um campo diversificado de práticas – sociais, culturais, educativas, artísticas – sendo frequentemente definida como uma metodologia ou uma técnica de intervenção. Nesta perspectiva, o registo técnico da intervenção parece sobrepor-se a um registo de investigação teórica e epistemologicamente sustentado. Embora nos últimos anos tenham ocorrido avanços neste sentido, grande parte dos trabalhos publicados revelam ainda um pendor normativo e prescritivo pouco propício à reflexão crítica sobre os contextos, os actores, as políticas e as práticas da animação sociocultural. Aliás, parece existir no interior do campo da animação sociocultural uma certa rejeição da teoria, talvez por os animadores a considerarem pouco útil na sua acção quotidiana.
Neste capítulo, defendo exactamente o contrário, considerando que a teoria, enquanto ferramenta de investigação e intervenção, se torna cada vez mais fundamental para a compreensão aprofundada dos fenómenos da animação sociocultural e, consequentemente, para o desenvolvimento e afirmação deste campo. Tal como outras áreas, a animação tem sido palco de profundas transformações, ao longo das últimas décadas, assistindo-se hoje a várias tendências que se afastam dos pressupostos teóricos e epistemológicos, políticos, éticos e estéticos constitutivos da animação sociocultural. Refiro-me, por exemplo, a tendências assistencialistas, escolarizantes e tecnocráticas, além de uma concepção bastante enraizada que tende a reduzir o campo da animação sociocultural a lógicas de entretenimento e de consumo cultural. É com base nesta percepção que defendo uma forte sustentação da animação sociocultural em teorias inseridas nos paradigmas interpretativo e crítico, de modo a resgatar, pela via dos estudos etnográficos, o seu carácter participativo e emancipatório.Tipo: bookPart
anacris88:
espero ter ajudado!
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