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Olá , Boa Noite !
No início do ano político, em setembro de 1983, quando os franceses voltaram de suas férias para encontrar o franco em baixa, uma escalada na corrida armamentista, uma crise no Oriente Médio e problemas em toda a frente do país, François Mitterrand convocou seus ministros no palácio Elysée e censurou-os pelo lamentável estado da história – não o rumo atual dos acontecimentos, mas a história que as crianças francesas estavam deixando de aprender na escola.
O presidente sem dúvida tinha outras preocupações. Mas a crise que ocupava o primeiro lugar em sua agenda era a incapacidade do eleitorado em discernir os temas de seu passado. O que seria de uma coletividade de cidadãos que já não soubesse distinguir entre Louis XIII e Louis XIV, entre a Segunda e a Terceira República ou (e este parecia ser o grande problema) entre Robespierre e Danton?
Mitterrand pode não ter mencionado a controvérsia suscitada pelo filme de Andrzej Wajda, mas provavelmente estava pensando em Danton.
Ao assistir ao filme numa sessão privada antes de sua liberação em janeiro de 1983, não o aprovara. Seus aliados da esquerda socialista-comunista tinham ficado chocados com o filme, quando ele foi exibido na Assembléia Nacional. E, no semestre que se seguiu, ele deu aos intelectuais de esquerda uma oportunidade de lavrar tentos na imprensa popular, ao mostrarem sua capacidade de corrigir os registros históricos e sua determinação de retificar o currículo das escolas secundárias.
Enquanto a oposição se regozijava – Obrigado, Monsieur Wajda, exultou Michel Poniatowski dos gaullistas –, a esquerda esbravejava de indignação. ―Que história que nada!, exclamou Pierre Joxe, líder dos deputados socialistas na Assembléia Nacional.
E o pior era que aquilo podia ser tomado como verdade pelos escolares franceses. Vítimas de reformas curriculares que haviam lhes amputado a história, os alunos não poderão saber quem era Danton depois de vê-lo retratado dessa maneira.
Louis Mermaz, o presidente socialista da assembléia, fez a mesma advertência: O ensino da história se tornou tão ruim [...] que os jovens de hoje não têm o conhecimento cronológico que os homens de minha geração tiveram a sorte de adquirir desde a escola primária. O filme é enganador. [...] Ele me faz querer lançar um apelo à retomada do ensino de história, coisa essencial para uma nação, para uma civilização.
Tal veemência pode parecer enigmática para os americanos que assistiram a Danton. Sabemos que os franceses levam sua história a sério e que não se pode mexer em sua Revolução. Mas por que os socialistas desmentem uma versão da rixa entre Danton e Robespierre que coloca o primeiro numa luz favorável? O empenho de Danton em deter o Terror não pode ser visto como um prenúncio heróico da resistência ao stalinismo? Wajda não é um herói do Solidariedade? E não seria de se esperar que Danton de Wajda interessasse à esquerda moderada na França, aos paladinos do socialismo com face humana, ao partido que cobriu os painéis, durante a campanha de Mitterrand, com a figura de um punho estendendo uma rosa?
Agora que Danton atravessou o oceano, parece oportuno abordar essas questões, pois elas nos introduzem no estranho mundo simbólico da esquerda européia, um mundo onde os intelectuais se enredaram nos mitos por eles criados e onde as linhas facilmente se cruzam, mesmo quando se estendem entre os bien pensants de Paris e Varsóvia na melhor das intenções possíveis. Danton surgiu das duas capitais, como uma história simultânea de duas cidades.
Sobrevivendo à repressão contra o Solidariedade, Wajda dedicou seu filme seguinte a um tema histórico, situado a salvo em Paris, dois séculos antes que os zomos estampassem os últimos remanescentes da livre expressão nas ruas de Varsóvia.