• Matéria: Português
  • Autor: jdgjfd
  • Perguntado 6 anos atrás

Texto de no mínimo 15 linhas sobre o preconceito racial nos EUA.​

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respondido por: CARAMBABA
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Resposta:

Quando me mudei para os EUA, além da alegria pelo doutorado, minha preocupação foi como enfrentar o preconceito racial. Tive a preocupação de não aplicar para universidades em estados com histórico de racismo, com a Carolina do Sul, por exemplo. Esses lugares simplesmente não entraram na minha lista, mas claro que não foi o bastante para me livrar do racismo. Existe (muito) preconceito no Brasil também, mas aqui nos EUA o preconceito é notório a ponto de termos separação física. É comum vermos bairros negros (ou asiáticos ou latinos) onde a maioria dos moradores é negra ou de uma determinada etnia. Não é mera coincidência que estes também sejam os bairros mais pobres.

De um lado, existe o estereótipo racista como “negros não gostam de trabalhar”, “negros vivem de assistência do governo” ou ainda “não são inteligentes o suficiente para ir para faculdade”. Do outro lado, a comunidade negra briga para provar o contrário e muitas vezes bate com a cara na porta. Muitas portas são fechadas pelo preconceito. Os negros não são os únicos sofrendo com racismo. Indígenas (Native American) e Latinos também sofrem preconceito e precisam brigar por um lugar ao sol.

Então, o que acontece num relacionamento interracial? Para começo de conversa, casamentos inter-raciais já foram proibidos nos EUA. Isso mesmo, legalmente proibidos. Um exemplo disso é que o ano de 2017 marca 50 anos da batalha judicial Loving vs. Virginia onde Joel (branco) e Ruth (negra) Loving  receberam o direito de se casarem legalmente. Há apenas 50 anos! Hoje, casamentos interraciais representam apenas 17% dos casamentos americanos.

Eu e meu marido fazemos parte desta estatística. À primeira vista, somos um casal de Caucasian e African American (como o negro é chamado aqui). Sendo brasileira e vinda de uma família portuguesa, indígena e africana, tenho tradições, religião, jeito de falar e de vestir que são diferentes do negro americano. Então, em 3 minutos de conversa identificam que sou negra, mas não sou African American. E daí vem o “what are you? ” Que seria “qual a sua raça? ” Ou “qual a sua etnia? ”. E tenho que explicar minha árvore genealógica para o deleite e estranheza do ouvinte.

No dia-a-dia, o preconceito racial varia muito. Desde olhares tortos de pessoas vendo um cara ruivo com uma negra até lugares que a gente evita ir para não ter dor de cabeça. Somos alvo de comentários dos brancos (“o que esse cara está fazendo? ”), e dos negros (“esse cara está roubando uma das nossas”, ou “essa menina está enfraquecendo a raça”). O preconceito existe de todos os lados. Algumas pessoas fazem piadas para mim (“you like some cream on your coffee”  “você gosta de leite no seu café”)  ou para o meu marido (“once you go black you can never go back” “depois que você experimenta preto não tem volta”). A verdade é que estas “piadas” têm o racismo embutido e não vejo nada de engraçado nisso.

O racismo é normatizado nos EUA. Apesar do meu preparo emocional para encará-lo no trabalho e na sociedade, me surpreendo com ele em lugares que considero seguros. E é aí que dói mais. É como se as pessoas se policiassem no começo para não falarem nada preconceituoso perto de mim. Mas com o tempo, as pessoas relaxam, “esquecem” que sou negra, e falam o que vem à cabeça, sem filtro. Outro dia, um amigo recomendou evitar trabalhar no bairro tal porque é cheio de pretos. Respondi que me sentiria em casa neste bairro. Acabei gerando um intenso mal-estar, porque insinuei que ele era racista. E não era? É possível ser racista mesmo tendo amigos de outras etnias? Infelizmente, tenho sentido mais racismo desde que o novo presidente começou seu mandato por aqui, mas isso é assunto para outro texto.

Apesar do aumento dos relacionamentos interraciais nos EUA, temos um longo caminho para reduzir o preconceito. Talvez minhas amigas brasileiras de pele clara também tenham que explicar de onde seu sotaque é. Talvez elas também pareçam “exóticas” por serem brasileiras, fruto dessa miscigenação que é tão nossa. Como brasileiras, convivemos com a adaptação cultural e o choque entre as tradições mundo afora. Porém, acredito que minhas amigas brasileiras de pele clara em relacionamento com americanos brancos não passem pelas mesmas situações que eu e meu marido passamos como biracial couple (casal inter-racial).  

O preconceito racial está impregnado na sociedade, mas é algo tão ruim, tão feio que muitas vezes evitamos falar sobre ele. Ou como meu marido dizia no começo do namoro: talvez se não falarmos dele, ele deixe de existir. Eu acredito que quanto maior o debate, maior a possibilidade de entender nossas diferenças e superá-las. Não é só por um olhar torto no restaurante, mas também por um tratamento duvidoso nos ambientes profissionais, igrejas e qualquer outro lugar. Isso não pode ser considerado normal!

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