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Ser negro é ato político. Cada vez mais. Sobretudo neste Brasil de racismo velado, cotidiano. É o táxi que não para. É o suposto amigo que faz piada. É o papel de empregada e de bandido. É o apelido que diminui, ridiculariza e estereotipa. É a solidão de ser preterida. É a exigência de um corpo sexualizado. É a negação do exercício intelectual. É a ausência do poder de discurso em uma sociedade que teima em ser uma cópia barata de um modelo branco europeu, ocidental, falido. Modelo este que tenta extinguir o outro, o negro.
É dentro deste cruel panorama social contemporâneo que surge para o público brasileiro o espetáculo Revolting Music – Inventário das canções de protesto que libertaram a África do Sul, concebido e executado com forte presença cênica por Neo Muyanga, artista criado no emblemático gueto negro de Soweto, nos arredores de Joanesburgo, maior cidade sul-africana. Como o nome diz, o espetáculo elenca as músicas que integraram o imaginário e o campo emocional daquele país nos sombrios tempos em que negros e brancos eram separados legalmente pelo Estado, no regime de apartheid que vigorou entre 1948 e 1994, gerando mortes, perseguição e prisão de líderes negros, como Nelson Mandela (1918-2013).
Ao contrário da letra no papel, tão cultuada pela sociedade ocidental, a cultura negra e africana tem como base a oralidade. E Muyanga expõe isso naturalmente ao preferir conversar com seu público, de forma despretensiosa e longe de qualquer prepotência, explicando seu espetáculo e aquelas canções. Conta que falam diretamente com ele, com suas memórias de infância, com sua gente. Está à vontade. Afina a guitarra no palco sem culpa. Músico habilidoso com os instrumentos acoplados às novas tecnologias, utiliza os sintetizadores para criar um coro negro com sua própria voz — sua música dialoga fortemente com aquela produzida pela artista argentina Juana Molina, que também consegue transformar computadores em canto coletivo ancestral. E no canto de Muyanga está todo um povo, toda uma tradição, todo um sofrimento, toda uma gente.