• Matéria: Português
  • Autor: saraoliveira72975
  • Perguntado 4 anos atrás

Leia a crônica abaixo.

Expedição à padaria

por Vanessa Barbara

Na segunda-feira dia 6 de abril, depois de 14 dias de total

isolamento, saí de casa para comprar pão. Com o coração acelerado

e o passo meio trôpego, percorri os 290 metros que separam minha

residência da padaria da esquina. Pensei imediatamente em Charles

Darwin singrando os mares a bordo do HMS Beagle, em James

Cook mapeando terras desconhecidas, em Amelia Earhart com o

vento no rosto enquanto sobrevoava o oceano e em Buzz Aldrin

fazendo xixi na Lua. Quase chorei na fila do pão. Por pouco não

pedi a quantia errada de bisnagas.

A expedição durou no máximo 15 minutos e me senti

inspirada para compor uma versão estendida de Os Lusíadas em

dodecassílabos parnasianos. Pensei também em fazer uma

transmissão ao vivo para emocionar os amigos em suas respectivas

quarentenas. Mas acabei desistindo porque achei que podia parecer

ostentação. Antes de sair, botei o álcool em gel na bolsa e vesti uma

máscara de tecido, mas quase sofri um bloqueio criativo quando fui

escolher a roupa. Esqueci como a gente se vestia quando saía de

casa. Parece que eu tinha um par de calças jeans. Onde mesmo que

eu costumo guardar os sapatos?

Em meados do mês passado, entrei para os casos suspeitos da

covid-19. Tive febre baixa, dor de garganta, perda de olfato, enjoo

e uma dor de cabeça forte. Depois de um exame clínico que

descartou infecção bacteriana, a médica me mandou para casa e

estipulou o isolamento pelo período de duas semanas. (Ela marcou

no meu atestado: “Z29.0”, o que me pareceu coisa de espião, mas

era apenas a classificação da Organização Mundial de Saúde para

isolamento em casos de doenças transmissíveis.)

Respeitei a prescrição médica e não saí nem para pegar as

revistas deixadas no capacho. Meu marido fazia as compras

semanais no mercado e ia buscar pão de vez em quando. Eu tentava

me recuperar na medida do possível. Ao final dos 14 dias, e depois

de receber o resultado negativo do exame da covid-19, eu me

ofereci para singrar as calçadas rumo à padaria.

Foi mais bonito do que eu sonhava. O céu estava azul, havia

pássaros nos postes e um fétido chorume emanando dos sacos de lixo empilhados no meio-fio. (O olfato parecia feliz em ter

voltado.) Troquei enigmáticas elevações de sobrancelha com

transeuntes que passavam do outro lado da rua e que também

estavam parcialmente ocultos em suas máscaras. Tentei sorrir com

os olhos para os atendentes da padaria, que perguntaram como

estava a minha filha e comentaram que o dia estava lindo demais

para ficar em casa. Respondi: “Paciência!” e tentei dizer algo

engraçado.

Descobri que boa parte da comunicação se dá por meio da

expressão do rosto e de sorrisos, e que é muito difícil ser irônico

atrás de uma máscara. Gesticulei amplamente, como se falasse uma

língua estrangeira a dez metros de distância. Esquadrinhei a mesa

de bolos caseiros como se estivesse diante de uma caverna de

tesouros. Desisti de abraçar todo mundo. Botei as compras na

minha sacola de pano, paguei a comanda e voltei para casa sob a

nuvem diáfana do maravilhamento. “A Terra é azul. Como é

maravilhosa. Ela é incrível!”, posso ter dito ao chegar em casa,

parafraseando certo cosmonauta.

Em tempos de quarentena, a saudade de circular pela cidade

chega a doer. Até descer com o lixo parece uma aventura

extraordinária, que só efetuamos uma vez a cada três dias. Sair para

ir à padaria, então, é um feito mais cobiçado que escalar os Sete

Cumes. Não sei quando minha jornada se repetirá, já que o

isolamento doméstico permanece – e deve se intensificar daqui

para a frente. Só sei que agora toda breve saída é passível de se

tornar uma epopeia em versos a ser narrada para a próxima geração:

“Cesse tudo o que a Musa antiga canta,/ que outro valor mais alto

se alevanta”, já dizia o velho Camões.

Minha filha, de 1 ano e 9 meses, não sai de casa há mais de

30 dias. Uma das nossas atividades favoritas agora é relembrar,

juntas, todos os detalhes dos nossos piqueniques no parque, as

tardes de Carnaval, os passeios de ônibus, as voltas no quarteirão e

as viagens de metrô. Como se fossem épicas expedições a uma

civilização que não deve ser esquecida.


1.Que sentimentos ou emoções a crônica nos despertou? Raiva, medo, alegria,

impaciência, curiosidade, nostalgia (saudades)?



2. A linguagem era atual? Era de difícil compreensão?



3. O que ou em que passagens as ideias e a narrativa não ficaram claras?



4. Qual é o assunto central da crônica?




5. Qual a personagem ou os personagens que aparecem na crônica? Como eles estão

descritos no texto? Qual o olhar do cronista para eles?



6. O autor fazia parte da situação narrada ou estava como observador, de fora?

Quais são as marcas no texto que nos mostram isso?​

Respostas

respondido por: luziapreta01
0

Resposta:

A acumulação de capital, os cercamentos.

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