Por que a rapidez de informação pode ser, ao mesmo tempo, uma das maiores qualidades do jornal e o seu ponto vulnerável?
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Resposta:
A velocidade como fetiche
O conceito de fetichismo da mercadoria é suficientemente conhecido: Marx o definiu como o processo através do qual os bens produzidos pelo homem, uma vez postos no mercado, parecem existir por si, como se ganhassem vida própria, escondendo a relação social que lhes deu origem [212] . Na base desse processo está a reificação operada pelo capital, e que se condensa na definição do valor de troca da mercadoria, no qual a relação entre o trabalho necessário para a produção de um bem e esse mesmo bem se torna qualidade objetiva do produto. Assim, uma relação social estabelecida entre seres humanos aparece como uma fantasmagórica relação entre coisas. Daí o fetiche, que leva a perceber como naturais, objetificadas, as relações sociais.
Definida como mercadoria, tanto por teóricos como Habermas quanto por grandes empresas jornalísticas como a Folha de S. Paulo, a notícia não fugiria à regra: esconde o processo pelo qual foi produzida e vende mais do que a informação ali apresentada. Vende também, e principalmente, a ideologia da velocidade.
Este capítulo reúne as duas pontas do lema-síntese do jornalismo (“a verdade em primeira mão”), até aqui analisado em cada uma de suas partes. A junção pretende provocar o choque dos dois termos desse postulado e comprovar a hipótese principal deste trabalho - a de que a velocidade é consumida como fetiche, pois “chegar na frente” torna-se mais importante do que “dizer a verdade”: a estrutura industrial da empresa jornalística está montada para atender a essa lógica.
Assim, em primeiro lugar analisaremos o processo de fetichização operado no jornalismo, para demonstrar como esse conceito se aplica ao primado da velocidade no mundo contemporâneo, e como a imprensa é parte integrante e ativa desse processo. A seguir, veremos como o jornalismo em tempo real se justifica a partir das necessidades do capital financeiro mas estende a sua lógica ao trabalho jornalístico em geral, reiterando o fetiche. A análise abrangerá o modelo segundo o qual o público tem agora a possibilidade de montar seu próprio jornal, a partir das informações que ele mesmo seleciona. Vamos contextualizar esse modelo do “tempo real” verificando como ele “vende” a idéia de liberdade de escolha encobrindo a fabricação da opinião a partir da suposta valorização do público como consumidor, a quem o jornal apenas “serve”, excluindo-se aí o papel político do jornalista como mediador, que dá ao público aquilo que ele não sabe que precisa [213] .