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A pandemia colocou maior foco sobre a saúde mental e levou o tema à redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020. Para psicólogos ouvidos pelo G1, viver em isolamento pode ter trazido à tona muitos problemas que estavam sendo encobertos pelas questões do dia a dia, mas a saúde mental e a desconstrução do estigma já vêm sendo debatida na sociedade há alguns anos.
Nesta edição, candidatos ao Enem tiveram que discorrer sobre 'O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira'. É esperado que os candidatos façam um texto dissertativo-argumentativo, apresentem opiniões e organizem a defesa de um ponto de vista.
“Em poucos momentos a gente teve tanto contato com sofrimentos psíquicos como agora em meio à pandemia", afirma Rita Calegari, psicóloga hospitalar no hospital de campanha Pedro Dell'Antonia.
"É inegável que as pessoas estão mais estressadas, mais cansadas, vivendo ciclos de existência que podem estar mais destrutivos, em razão até mesmo de patologias que antes não eram valorizadas, investigadas e tratadas", reflete.
Mas o tema não se restringe ao círculo pessoal da população. Em maio de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertou sobre o risco global de uma crise de saúde mental, agravada pela pandemia.
As aulas remotas colocaram crianças e adolescentes sob tensão, trazendo urgência na implantação do desenvolvimento de habilidades socioemocionais nos estudantes, prevista na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Em paralelo, o Conselho Federal de Enfermagem (Confen) alertou sobre o grupo de trabalho proposto pelo Ministério da Saúde que tentava revogar portarias referentes à saúde mental, o que poderia colocar em risco a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
"A própria OMS fala que saúde transpõe todas as esferas: psíquica, física. Não é só falar que o corpo está bem e a cabeça não está. A gente precisa de fato melhorar essa relação com as pessoas, porque elas ainda acham que se você tiver fé ou força de vontade, você não precisa tratar. Isso impede as pessoas de procurarem ajuda profissional", afirma.
Para Luciana Szymanski, professora da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da PUC SP, falar sobre saúde mental implica em observar o contexto em que o indivíduo ou a sociedade estão inseridos.
"A gente tem que pensar que as doenças são construídas e modificadas socialmente. Há 30 anos, 'homossexualismo' era considerado uma doença. Para a OMS tirar 'homossexualismo' da lista de doenças, precisou de muita discussão política. Assim como crianças agitadas e desatentas na escola não recebiam um nome. Agora, a gente tem o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade)", explica.
"Para falar de transtornos psíquicos, temos que falar deste contexto. A gente está vivendo um período de muito sofrimento, com pitadas de perversidade, em que não há valorização da vida, dos idosos, dos pobres, dos negros. Existe um discurso de ódio em curso. Essa instabilidade desorganiza as pessoas, o que leva a transtornos importantes", afirma Szymanski.
"Falar de estigma vai além da pessoa. É quando a gente entende que a pessoa fica 'incapacitada'. E tudo que a gente não precisa agora é de intolerância", defende.
Szymanski cita que uma das formas de acabar com a intolerância é estimular o convívio e o debate entre crianças e adolescentes.
"Com uma discussão presente no cotidiano, a gente aposta que crianças e adolescentes possam fazer uma leitura mais crítica e serem mais tolerantes ao sofrimento e à existência do outro, porque nenhum sofrimento, transtorno ou corpo está pairando em um espaço sozinho, desvinculado de um contesto. O repertório vai aumentar a tolerância em relação a diferenças", defende.